Daniel Schnaider *
Imagine três empresas que produzem exatamente o mesmo produto, são do mesmo estado e vendem para o mesmo cliente. No começo do ano, cada uma delas deve escolher o seu regime tributário. A primeira optou pelo Simples Nacional, a segunda pelo Lucro Presumido e a terceira pelo Lucro Real.
O cliente recebe as três propostas e faz uma avaliação de preço. Naturalmente uma das propostas era a mais barata, outra razoável e a última a mais cara. O cliente, curioso, queria neste momento realizar uma análise de custo benefício, ora que a proposta mais barata poderia ter qualidade inferior. Pasmo ficou quando, por meio de uma avaliação de sua equipe técnica, foi-lhe comunicado que os produtos são idênticos.
Na maior parte dos casos, diante de tal circunstância, a decisão seria simples, uma vez que temos três produtos equivalentes e um deles é o mais barato. É fácil determinar o fornecedor vencedor. Mas o caso aqui era diferente – o fornecedor não conseguiria atender a toda a demanda que o cliente precisava e, assim, necessitaria dos dois outros fornecedores também.
Preocupado com o que a auditoria diria – ao ter o mesmo produto comprado com uma variação tão significativa de preço –, chamou os fornecedores mais caros para negociar. Ambos aceitaram abrir a planilha que estruturaram seus preços, quando tudo ficou claro.
As empresas pareciam trigêmeas com uma pequena diferença entre seus DNAs. Cada uma delas optou por um modelo distinto de tributo. O cliente perguntou indignado: porque vocês não escolheram o modelo tributário da primeira? Vocês com certeza estão perdendo oportunidades de vendas por serem mais caros!
Os fornecedores explicaram que a forma de tributação é derivada de dois fatores principais. O primeiro é a projeção de vendas para os doze meses seguintes; o segundo é o grau de lucratividade estimado. As empresas explicaram que mesmo antes da crise era difícil definir o regime e, na crise, com toda volatilidade e incerteza, virou apenas uma loteria.
Essa história imaginária sumariza o drama por que passam as empresas brasileiras e a raiz do desafio tributário desta nação. Se os semelhantes não podem competir de forma igual, se os vencedores são aqueles que podem abrir mão de eficiência, qualidade, serviço e inovação apenas porque suas contribuições são menores do que as de seus concorrentes, é criado um desequilíbrio sistêmico que empobrece todo o resto da população.
O Brasil muitas vezes cobra taxas de importação a níveis exorbitantes com a tese de que está protegendo sua indústria nacional, ao mesmo tempo em que, internamente, inúmeras regras beneficiam alguns grupos empresariais em detrimento de outros. Sendo que nós, os outros, pagamos a conta.
Da mesma forma que no mundo, e cada vez mais no Brasil, se luta pela equidade salarial entre os gêneros – o chamado equal pay for equal work, em que os países democráticos entendem que as minorias devem ser protegidas, e em que grupos que sofreram por longa data o preconceito devem ter algumas tratativas especiais –, é de se entender que isso deve ser estendido para o universo empresarial.
Com isso, não quero ser ingênuo, existem casos excepcionais. Em outros países não existia, por exemplo, imposto sobre investimentos financeiros nas bolsas de valores locais para fomentar a criação desse mercado. O sistema tributário é, além de uma forma de arrecadação para que governos possam governar, um mecanismo de incentivo do executivo.
Esse sistema tem seus paradoxos, o que torna um desafio a sua comunicação e o entendimento da população em geral. Como exemplo, tarifar produtos que fazem mal, como cigarros ou bebidas alcoólicas – o que aumenta seu preço e, em tese, reduziria a demanda, de fato pode aumentar o seu consumo. Isso pode acontecer porque o incentivo de contrabandear os produtos por nossas frágeis fronteiras aumenta, tornando-os mais atrativo para o consumidor.
Mas não pense que, ao resolver o desafio das fronteiras, os “impostos do pecado”, como são chamados no exterior, funcionariam como uma bala de prata. Nos estudos realizados pelo Instituto de Estudos Fiscais em Londres se descobriu que, ao se aumentar os tributos sobre bebidas alcoólicas, houve redução na demanda principalmente sobre aquelas pessoas que bebem ocasionalmente, mas pouco se ajudou os “consumidores pesados”.
Mais uma vez, a diferença entre realidade e ficção é que esses últimos são tentativas do Executivo de usar o sistema tributário para fazer o bem. Independentemente se ele conseguiu ou não, estudos e resultados obtidos em outros países, ou até mesmo experimentos controlados, nos permitem adequar as políticas tributárias para eventualmente melhorar a vida da população.
Acredito, como muitos que defendem a reforma tributária, que o Brasil está entupido de uma quantidade inacabável de regras que vêm para ajudar grupos específicos, com alto poder de lobby em detrimento da população, que luta para atingir seu potencial. Não se engane: o imposto que deixou de ser pago por uma empresa reverterá em custo para acionistas, funcionários e clientes de outras organizações!
O impacto não é só de um lado que subsidia outro. Estudos evidenciam a importância da competitividade por ela ser o principal fator de impulsão dos níveis de renda, crescimento econômico e bem-estar social. O aumento da competitividade significa aumento da prosperidade de uma nação. O contrário também é verdadeiro – um sistema tributário assimétrico reduz a competitividade e, assim, desacelera o crescimento da economia como um todo, impactando negativamente a vida dos brasileiros.
Em nosso país, onde se sente claramente a falta de uma reforma política para aumentar a representatividade do povo, o desejo pela aniquilação da corrupção e a melhoria substancial na saúde, educação e segurança se encontra na raiz do problema do sistema tributário. Não é apenas um sintoma dele.
* Escritor e economista especializado em reestruturação de empresas, gestão de crises e efeitos de tecnologias disruptivas. É autor do livro Pense com alma e aja rápido (BestBusinness/Record).
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