Escrevo este artigo imediatamente após participar do Seminário Citizenship in Regional Organizations: Comparing European, Latina American and African Experiences (em tradução livre: Cidadania em Organizações Regionais: Comparando Experiências Europeias, Latino-Americanas e Africanas), que ocorreu em Florença, Itália.
Seminários semelhantes a este vêm sendo promovidos pelo European University Institute desde 2010, quando lançou o Programa de Governança Global (Global Governance Programme), com o objetivo de ’construir’ professores e uma comunidade acadêmica com possibilidades de desenvolver diálogos políticos e a formação de futuras e atuais gerações.
Este ano, o seminário, como o próprio nome diz, teve como objetivo debater a cidadania regional.
A América Latina, mais especificamente o Mercosul e a Comunidade Andina (CAN), são exemplos de construção ou de iniciativas de construção de cidadania regional.
Num seminário como esse, não há como ficar de fora o debate sobre migrações, e o fato de que 63% das migrações dos países sul-americanos ocorrem dentro do próprio continente.
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No geral, as principais razões que levam à migração são: conflitos armados, catástrofes climáticas (no momento o aquecimento global tem sido uma delas), epidemias, graves crises econômicas, que levam ao desemprego, perseguições políticas (como, por exemplo, a perseguição por ideologia), étnico-raciais e religiosas.
Em nosso continente, até recentemente havia um grave e longo conflito armado na Colômbia, cuja solução está sendo concluída. Nesse período, muitos colombianos migraram, principalmente para os países vizinhos, como a Venezuela e o Equador.
Se na Colômbia caminha-se para uma solução, na Venezuela se agrava a crise econômica e política e quem sofre é o povo, que migra para os países vizinhos.
Não se tem um número exato de migrantes, mas há os que calculam que quase um milhão de venezuelanos saíram do país nos últimos três anos. A maior parte deles migrou para os países vizinhos.
O Brasil, entre os países da América do Sul, é o que menos recebe migrantes da Venezuela. A língua e a cultura, para muitos deles, é uma barreira.
Num seminário como esse de Florença e com esse tema, não há como não (criticar) comentar o que está ocorrendo no Brasil: grave crise econômica, social, política, institucional, ética e moral.
O golpe aplicado no Brasil repercute negativamente na Europa e não há como não registrar o retrocesso que estamos vivendo: paralisação dos avanços no Mercosul, onda crescente de ódio, principalmente em relação aos pobres, negros, homossexuais, mulheres e, no caso específico do seminário, aos migrantes.
O seminário terminou na sexta-feira (9). No dia seguinte, sábado (10), tomei conhecimento de que a Polícia Civil de Roraima prendeu o guianense Gordon Fowler, suspeito de atear fogo em uma família de venezuelanos.
Infelizmente, esse não foi o primeiro ato de violência contra os migrantes da Venezuela em Roraima. Há mais de uma dezena deles.
Roraima é o estado brasileiro que mais recebe migrantes da Venezuela. Só nos últimos dois anos, a prefeitura de Boa Vista estima que 40 mil cidadãos e cidadãs da Venezuela chegaram à capital do estado. Esses números representam mais de 10% da população local.
Roraima, como todos sabem, não tem como economicamente suportar esse abrupto aumento da população. É necessário que o Estado brasileiro desenvolva políticas públicas. Mas também, como todos sabem, o usurpador Michel Temer não tem o mínimo interesse em desenvolver políticas sociais para o atendimento de migrantes. Aliás, é bom dizer, não atende nem os cidadãos e cidadãs do Brasil. Seu objetivo é atender o capital.
Alguns, em busca de uma justificativa, poderão dizer que o suposto criminoso não é brasileiro. Não importa. O importante é lembrar que há crescimento de ódio entre as pessoas, principalmente rejeição aos migrantes em todo o mundo. Há uma crescente xenofobia.
Lembro: a maioria das pessoas que são migrantes foram vítimas em seus países. E foram obrigadas a migrar.