Eu venho evitando tocar nesse assunto porque você acha que é paranoia minha. Da última vez deu até briga. Mas eu tenho de voltar ao tema, meu anjo.
É que vêm crescendo em escala geométrica nas redes sociais, artigos de opinião e no noticiário tipo “hard news” menções escancaradas ao recurso à intervenção militar como solução para a atual crise política. Até outro dia ninguém falava nisso, não é? Ou só falava às escondidas. Parecia que a purgação pela qual passou o país pós-golpe de 64 teria afastado qualquer cogitação sobre um inimaginável retorno dos militares ao poder. A gente achava que os saudosistas das trevas eram aí uma meia dúzia de desinformados. Não incomodariam. Uns malucos até engraçados.
Um risco real
Ledo engano, minha nega (se for publicar, apague isto aqui senão serei acusado de racismo). O risco é real, sim, sobretudo depois que aquele general foi a uma loja maçônica pregar abertamente o golpe, num vídeo que pipocou nas redes sociais. O pior é que teve mais gente apoiando do que condenando. E olha que o sobrenome dele é Mourão, o mesmo do general “vaca fardada”, um dos primeiros líderes da quartelada que desaguou em mais de duas décadas de ditadura. Sabe o que isso significa? Nada.
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O buraco, ou melhor, a masmorra é mais embaixo, minha moça. Outro dia eu cortava o cabelo e, ao lado, uma senhora fazia as unhas enquanto derramava elogios à ditadura que, “se ainda estivesse aí, esses vagabundos não teriam arrasado com o país”. Consegui ficar calado até ela assegurar que naquele tempo “não tinha corrupção nem roubalheira”. Aí não aguentei. Virei pro lado e lembrei a ela que um dos poucos jornais de oposição daquela época, o “Movimento”, teve uma de suas edições apreendidas justamente por denunciar em manchete: “Geisel num mar de lama”. Relatava que multinacionais haviam feito “caixinha” (o caixa 2 daquela época) de 600 milhões para o general Figueiredo. E relacionava 16 casos vergonhosos de corrupção no país. “E olha que nem tinha Lava Jato naquele tempo pra investigar”, completei. Ela riu com sarcasmo, lamentou que “eu também fosse comunista” e foi-se embora, balançando as joias.
Dizem que somos loucos
No próprio ambiente acadêmico, onde atuo, parece haver um enorme desconhecimento do que ocorreu nos anos de chumbo. Quando se fala em censura, tortura, exílios, desaparecimentos, execuções, muitos alunos acham que é exagero. Ou que somos caretas, ultrapassados, lunáticos. De um aluno ouvi, perplexo, que “lá em casa meu avô sempre diz que isso de ditadura é tudo exagero, naquele tempo é que era bom”.
No dia em que escrevi aqui sobre a possibilidade de uma vitória de Bolsonaro (afinal, os dois temas estão umbilicalmente unidos), recebi algumas mensagens bem raivosas. Uma delas dizia: “Mais algumas mentiras como ‘Lista de Furnas’, ‘Extrema-direita’, e outras. Podem chorar e mentir o quanto quiserem! #Bolsonaro2018”. Outra, acrescentava: “Mais uma matéria com 90% de desonestidade intelectual, pessoas que acham que sabem algo…só acertaram na progressão de Bolsonaro…sentem (sic), aceitem e chorem…pois 2019 a faixa estará com Bolsonaro…!!! Aceitem que doí menos”.
O tempo ruge
Pois é, amor da minha vida. Os movimentos de extrema-direita saíram do esconderijo e hoje se expõem com foto, nome, sobrenome. Que fique claro: ninguém é contra o direito de cada um expressar seus pontos de vista. O nome disso é liberdade. Mas daí a se defender publicamente uma ruptura institucional por meio de um golpe militar vai uma diferença enorme. Isso tem nome: crime. A ausência de perspectivas eleitorais confiáveis vem permitindo a ocupação do vácuo político pelos adeptos do golpe. E esse troço vem crescendo… perigosamente.
O tempo ruge, como diria aquele narrador esportivo das antigas. É preciso construir uma alternativa confiável para 2018. O diabo é que já estamos nos minutos finais do segundo tempo. Este jogo pode acabar com uma surpreendente vitória dos adversários que a gente considerava carta fora do baralho. E aí, amor da minha vida, vamos ter de repetir o verso do Belchior, aquele que diz: “Eles venceram/ E o sinal está fechado pra nós/ que somos jovens”.
Você ainda acha, meu amor, que essa minha ansiedade é coisa de paranoico?