Conheci o rock progressivo de Pink Floyd através do álbum The Wall, lançado em 1979. Eu pertencia à jovem geração universitária que combatia a ditadura civil-militar instalada em nosso país e sonhava com uma sociedade livre, que fugisse da lógica autoritária fascista: excludente e violenta. Não sem razão, em tom de rebelde e alegre protesto, cantávamos a versão Pink Floyd da cantiga popular “Atirei o pau no gato”, pedindo que dona Chica deixasse o gato em paz, pois ele era bom demais. O fascismo, estatal ou não, era o adversário a ser vencido e contra ele caminhávamos, “sem lenço e sem documento”, acreditando “nas flores vencendo o canhão”.
No dia 1º de abril de 2012, realizei o velho sonho de assistir ao show The Wall, comandado pelo incansável Roger Waters. Eu era uma das 70 mil pessoas que lotavam o Estádio do Morumbi cantando, dentre outras, as antifascistas músicas Another Brick in the Wall e Comfortably Numb. E, confesso, a minha emoção se tornou mais forte quando, projetado no enorme muro de 424 tijolos, apareceu o nome a imagem de Jean Charles de Menezes, a quem Roger Waters dedicou a sua apoteótica apresentação, que fora assassinado pelo preconceito da polícia estatal inglesa. Nesta mesma sintonia de protesto, sobre nós desfilava o enorme porco-balão que, na versão brasileira, levava o nome do recém-aprovado Código Florestal.
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Ao sairmos do show, comentávamos que o muro de 137 metros de largura, 11 metros de altura e 5,5 de profundidade, ainda guardava a mesma energia de resistência daquele que, no lugar ocupado pelo injustificável Muro de Berlim, fora assistido, em 1990, por mais de 350 mil pessoas. Desde então o álbum The Wall toca, diariamente, em meu carro. Um acertadíssimo presente que ganhei de minha nora Bia. Ele me serve de conselheiro ao ensinar que devemos combater todas as formas de autoritarismo, inclusive aquelas que, camufladas, habitam em nossas mentes.
O que esperar, então, do show de Roger Waters em sua nova rodada pelo Brasil? Como estar surpreso quando ele exerce o seu direito de protestar contra o estadunidense Donald Trump, o húngaro Viktor Orbán, a francesa Marine Le Pen, o austríaco Sebastian Kurz, o britânico Nigel Farage, o polonês Jaroslaw Kaczynski, o russo Vladimir Putin e o brasileiro Jair Bolsonaro? Como acreditar que ele deixaria de fazer o seu tradicional protesto contra o nazismo que matara sua família e milhões? Como ele não reagiria ao fascismo que se apresenta diante de nosso olhar? Como impedir que ele e todas as pessoas que amam o seu semelhante cantem, falem e protestem?
Talvez possamos encontrar as respostas na música Blowin’In The Wind, de Bob Dylan e seu atemporal rock de protesto. Afinal, “quantos anos algumas pessoas podem existir até que permitam ser livres? Sim, e quantas mortes ele causará até saber que outras demais morreram? E quantas vezes um homem pode virar a sua cabeça e fingir que ele simplesmente não vê?” Roger Waters, em sua turnê pelo Brasil, no velho estilo Bob Dylan, nos diz que “a resposta, meu amigo, está soprando ao vento. A resposta está soprando ao vento”.
E o vento nos sopra que combater o nazismo, o fascismo e toda forma de violência ainda é preciso, urgente e imprescindível, pois a paz ainda não venceu a guerra. A cada instante, em todo lugar do mundo, surgem propostas que transformam a violência, o racismo, a misoginia, o preconceito, a homofobia e outras formas de ódio em votos eleitorais depositados em urnas que espelham o que cada eleitor guarda na urna secreta do seu próprio coração.
Roger Waters, com o seu rock rebelde, sopra para a nossa consciência e nos pergunta, corajoso, desafiador e confortavelmente entorpecido: “Olá, tem alguém aí? Apenas acene se puder me ouvir. Tem alguém em casa?” E ao falar para o “eu” escondido em cada um de nós, faz um alerta: “Nós não precisamos de nenhuma lavagem cerebral”, pois, “em suma, tudo era apenas tijolos no muro. Em suma, todos vocês eram apenas tijolos no muro”. O muro que cada um constrói ou destrói a partir do primeiro “eu-tijolo”.
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