Vanderlei de Castro Ezequiel **
A sociedade contemporânea vive uma época de exacerbação dos discursos negativos gerando um clima de animosidade que tensiona as coletividades. Além de aumentar a crise global dos direitos humanos, a negação de valores éticos acaba por justificar agressões políticas e aumento da vulnerabilidade de minorias. Diariamente, as agências de notícias divulgam violações de direitos fundamentais. Neste sentido, a eleição presidencial norte-americana de 2016 surgiu como uma síntese dos discursos negativos, ou discursos de ódio. Considerada um dos fenômenos mais midiáticos do mundo político, em que a comunicação é o principal suporte que modela e torna visível a política, a campanha eleitoral para presidente dos Estados Unidos tem a capacidade de amplificar – em escala mundial – os discursos dos candidatos.
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É neste contexto que surge o discurso político de Donald J. Trump – que, ao ser dirigido aos grupos étnicos minoritários, caracteriza-se pela imposição de certo estigma de periculosidade a essa população, além de promover sua exclusão jurídico-político territorial nos Estados Unidos. Em qualquer democracia existe disputa eleitoral e luta pelo poder, onde o voto é exercido por interesses, ideias, afetos ou carismas. Na visão clássica de campanhas políticas, os candidatos sempre se esforçam para transmitir promessas de um futuro melhor.
Entende-se que a democracia é o sistema que pressupõe o dissenso, isto é, que a ordem democrática subentende o equilíbrio no conflito. Porém, para existir a democracia é preciso que haja respeito à singularidade e aos direitos fundamentais que as instituições e cidadãos devem ao outro com quem coexistem. Dessa forma, a essência da democracia é, portanto, a aceitação da pluralidade, que implica a coexistência pacífica das diferenças. Outro pilar da democracia, a liberdade de expressão é um direito imprescindível, garantindo o trânsito de opiniões pelo espaço público.
Trata-se de um direito inalienável de todo e qualquer indivíduo de manifestar seu pensamento sem qualquer embaraço ou censura. É, por isso, componente essencial das sociedades democráticas, que têm na igualdade e na liberdade seus pilares. No entanto, a liberdade de expressão não é absoluta, e não pode ser invocada para a prática de intolerância e preconceito de qualquer ordem. Também não deve ser base para a defesa do uso de expressões que caracterizam postura criminosa como a difamação, a injúria, a calúnia ou a incitação a qualquer forma de violência.
O discurso de ódio, espetacularizado na grande mídia e nas redes sociais, fomenta a hostilidade, o preconceito e corrompe a atmosfera democrática e tolerante. Certamente, a cultura democrática encontra-se vulnerável perante a aceitação e o crescimento do ódio.
É justamente pensando em evitar essa “poluição” e degradação do ambiente social, com a ascensão do ódio ao espaço público, que se entende ser necessária a aceitação de leis que proíbam os discursos de ódio. Vale lembrar que países como os Estados Unidos, a França e a Inglaterra possuem, para além de normativas de contenção do discurso de ódio, órgãos reguladores e diretivas específicas voltadas ao monitoramento desse tipo de violação dos direitos humanos nos meios de comunicação eletrônica de massa, inclusive a radiodifusão (rádio e TV). No Brasil, esse debate ocorre de forma enviesada, sendo erroneamente tachado como censura. Isso quando não é sumariamente interditado. Precisamos reavaliar nossa escala de valores e recolocar esse debate no centro democrático.
* Doutora em Ciência Política pela PUC/SP. Pesquisadora dos grupos Comunicação e Política na Sociedade do Espetáculo (Cásper Líbero) e do Núcleo de Estudo em Arte, Mídia e Política (PUC/SP).
* Mestre em Comunicação pela Cásper Líbero/SP. Pesquisador do grupo Comunicação e Política na Sociedade do Espetáculo (Cásper Líbero).