Interrompido por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, na prática está decidido o julgamento no qual o Supremo Tribunal Federal define se estrangeiros que tiveram filho(s) no Brasil podem ser expulsos no País: o placar já é de 7×0 em sentido contrário, de forma que os votos restantes não alterarão o resultado final.
Assim, apesar das insistentes gestões italianas junto aos governos de Michel Temer e, agora, do presidente eleito Jair Bolsonaro, a possibilidade de extradição do escritor italiano Cesare Battisti evaporou de vez, pois ele é pai comprovado de um filho brasileiro.
O julgamento em curso, que fixará o paradigma para tais casos, diz respeito a um cidadão da Tanzânia que foi condenado por uso de documento falso e, após o cumprimento da pena, teve a expulsão decretada pelo governo federal. Sua defesa acionou a Justiça, alegando que a filha que ele teve no Brasil em 2007 era motivo suficiente para não poder ser expulso.
Segundo o relator Marco Aurélio Mello, a Lei de Imigração, sancionada no ano passado, garantiu que o estrangeiro em tal situação não pode ser expulso. O Estatuto do Estrangeiro, norma anterior, não vetava a expulsão quando o nascimento do filho tivesse ocorrido depois do fato que motivou o decreto expulsório.
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No entender de Marco Aurélio, a lei nova impediu a expulsão para evitar a quebra da relação familiar. “É tempo de aprofundar a evolução no tratamento da matéria, atentando para a lei fundamental no que revelada a família como base da sociedade e o direito da criança à convivência familiar”, afirmou, segundo notícia divulgada na noite da última quinta-feira (22) pela Agência Brasil.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Assim, quando o julgamento for retomado, o máximo a que se poderá chegar é a um placar de 7×4 contra a possibilidade de expulsão. E a inferência óbvia é de que o mesmíssimo entendimento norteará as decisões sobre extradição.
PublicidadeMas, e a prerrogativa presidencial de dar a última palavra nos casos de extradição? Ela permanece em pé, tendo sido confirmada no julgamento de Battisti em 2010. Só que não se trata de uma possibilidade permanentemente aberta: ela depende de uma prévia autorização do STF.
Ou seja, é o Supremo quem julga, em primeiro lugar. Se ele nega a extradição, o pedido é arquivado. Se ele autoriza a extradição, o presidente da República toma a decisão final, autorizando-a ou negando-a, conforme sua avaliação.
O que toda a grande imprensa anda omitindo agora é que o então presidente Lula negou a extradição em dezembro de 2010 e o STF aprovou sua decisão em julho de 2011, mandando soltar Battisti. Não havendo nenhum recurso em contrário, aquele processo foi extinto após o transcurso do prazo legal de cinco anos.
Consequentemente, não se trata de decidir se a decisão de Lula em 2010 pode ou não ser modificada por outro presidente em exercício, pois a autorização para extraditar então concedida pelo STF se referia àquele processo específico (aberto em 2007 a pedido da Itália e depois encerrado) e não a toda e qualquer situação em que um governo estrangeiro peça a cabeça de Battisti.
Este permanecerá, portanto, como residente legal no Brasil, embora as equivocadas notícias jornalísticas teimem em qualificá-lo de refugiado.
Além de não existir um processo de extradição aberto contra ele neste momento e de ser pai de um filho brasileiro, há um terceiro impedimento legal para a extradição de Battisti: a sentença em nome da qual a Itália pressiona por sua repatriação prescreveu em meados da presente década!
Daí a insistência italiana em bater à porta de governos considerados simpáticos a suas pretensões, mas não na porta do Supremo, o qual de imediato constataria que aquela condenação não produz mais efeitos legais, fechando as cortinas antes mesmo de a comédia recomeçar.
* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blog Náufrago da Utopia.
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