“Não voltarei vivo à Itália.
Ainda me é possível escolher o momento de morrer.” (Cesare Battisti)
Uma verdadeira avalanche de bobagens e tendenciosidades está sendo despejada pela grande imprensa sobre seus leitores para justificar a decisão juridicamente indefensável tomada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não só revogou a liminar por ele próprio concedida há 14 meses ao escritor italiano Cesare Battisti, como o fez com uma decisão monocrática depois de várias vezes ter proclamado em alto e bom som que submeteria a questão à Primeira Turma ou ao pleno.
Mas isso de nada importa. O jogo já foi jogado, independentemente do que ache ou deixe de achar o cidadão comum. Teve só 15 minutos em vez dos 90 regulamentares? E daí? Esses são os tempos que vivemos no Brasil. Só nos resta já irmos nos acostumando a mais esta insegurança, a jurídica.
Leia também
O certo é que nada impede a extradição de Battisti neste momento: Fux lavou as mãos e o presidente cujo mandato está nos estertores correu a assinar o decreto de extradição, fazendo por merecer as certeiras alfinetadas do blogueiro Josias de Souza:
“Quando o assunto é cadeia, Michel Temer vira um presidente paradoxal. Denunciado duas vezes (corrupção passiva e obstrução de justiça), investigado em outros dois inquéritos (corrupção e lavagem de dinheiro), Temer pega em lanças no Supremo pela prerrogativa de livrar corruptos da cadeia. Com o mesmo ímpeto, ele guerreia pelo direito de extraditar o condenado Cesari Battisti para um cárcere na Itália.
Para devolver o meio-fio aos corruptos brasileiros, Temer capricha na generosidade, dispondo-se a perdoar-lhes 80% das penas e 100% das multas. Para passar o condenado Battisti na tranca, Temer torna-se um ser draconiano, dando de ombros para a alegação de que o condenado não poderia ser devolvido ao seu país porque casou-se com uma brasileira e teve um filho com ela“.
Não foi só isso que Temer ignorou. A lista é grande, mas a condensei em três tópicos principais:
- a decisão do então presidente Lula, de negar a extradição em 31/12/2010, confirmada pelo STF em 08/06/2011, não foi contestada no prazo legal de cinco anos e se tornou definitiva. O processo foi, portanto, extinto. Mas, segundo o que o Supremo decidiu, era após ele, STF, haver autorizado a extradição que cabia ao presidente da República dar a última palavra, não em qualquer fase de qualquer processo ou até mesmo sem processo. O pedido da Itália foi negado e, para obter resultado diferente, ela teria de recomeçar do zero, com um novo pedido de extradição que cumprisse os mesmos trâmites legais da vez anterior;
- a sentença que a Itália quer fazer valer não só prescreveu em 2013 (trocando em miúdos: também está extinta), como se trata de uma condenação à prisão perpétua, ao passo em que as leis brasileiras proíbem a extradição de quem vá cumprir no seu país de origem uma pena superior a 30 anos de reclusão;
- o Tratado de Extradição Brasil-Itália proíbe a entrega de condenado que vá correr risco de vida no país requerente, o que colide frontalmente com a incrível quantidade (várias e várias dezenas!) de graves ameaças que autoridades políticas e carcerárias têm feito a Battisti nos últimos anos.
Caso o advogado Igor Tamasauskas não consiga, com um agravo, dissuadir o Supremo de reeditar o pior momento de sua trajetória de 127 anos – a invocação da segurança nacional para despachar Olga Benário, grávida de uma brasileirinha, à Alemanha nazista, o que equivaleu a condená-la à morte –, a única salvação para Battisti será não se deixar prender e buscar abrigo no exterior.
Quem mandou acreditar que ainda fôssemos brasileiros cordiais e que nossa democracia continuasse sendo pra valer?!
Do mesmo autor:
> Nova decisão do STF deve ser a pá de cal nas tentativas de extradição de Battisti
> A montagem do novo ministério é um pandemônio, um samba do crioulo doido ou uma comédia pastelão?