Na última quinta-feira (4), recebi uma mensagem do nosso designer, Vinícius Souza, perguntando se o Congresso em Foco iria fazer alguma ação especial para este 8 de março, dia internacional das mulheres.
“Tipo mandar para as mulheres da redação uma rosa com um cartão falando sobre a beleza da mulher hahaha”, ele escreveu. Logo em seguida completou: “É brincadeira!”.
Respirei aliviada. Já faz um tempo que boa parte das mulheres reivindica a data como expressão da luta pela igualdade de gênero, e não mais aquela coisa brega de dar parabéns pela nossa beleza e delicadeza. Esses não são os atributos pelos quais queremos ser reconhecidas. Ou, pelo menos, não os únicos.
Neste #8M, nós, mulheres do Congresso em Foco, nos unimos com o objetivo de amplificar a causa que também é nossa. Decidimos fazer uma greve simbólica, de meio período. Não em protesto contra o site ou alguma situação específica, mas sim para chamar a atenção para a causa das mulheres em geral, com foco na igualdade no ambiente de trabalho.
Leia também
É histórico que mulheres ganham menos e trabalham mais que homens – isso quando estão inseridas no mercado de trabalho, já que muitas vezes elas são privadas do acesso pelo pai, marido ou a cultura de onde vivem. Eu poderia encher esse texto com dados para corroborar a informação, mas acho que todos estão carecas de saber. Deixo aqui apenas algumas fontes: 1, 2 e 3.
A situação é ainda mais terrível para mulheres pretas e de baixa renda. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 51% das vítimas de estupro entre 2017 e 2018 eram negras. As mulheres negras (77,2%) sofrem mais assédio que as brancas (34,9%). Também são as mais agredidas na rua, com 32% contra 23% das mulheres brancas. No entanto, medo, ameaças e outros motivos fazem com que as mulheres negras procurem menos os órgãos oficiais para denunciar a violência sofrida – 21%, das mulheres negras, contra 25% das mulheres brancas.
PublicidadeA pesquisa “O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho”, realizada pela plataforma LinkedIn em parceria com a Think Eva, mostra que, em 2020, com a pandemia, o assédio sexual migrou do ambiente físico para o ambiente digital. Com um questionário online com 414 respostas em todo o país, o estudo evidencia que o ambiente de trabalho foi o espaço em que 47,12% das participantes afirmam ter sido vítimas de assédio sexual em algum momento. A maioria são mulheres negras (52%) e que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). Além disso, o Norte (63%) e Centro-Oeste (55%) têm uma concentração de relatos superior às demais regiões.
Quando olhamos para os rendimentos individuais, identificamos que 30,2% têm uma remuneração entre dois e quatro salários mínimos; 20,5% de 4 a 6; 20,2% de 1 a 2 salários mínimos. O perfil financeiro que menos aparece é o de mulheres com salários mais altos. Apenas 8,1% das respondentes indicam ter um rendimento superior a 6 salários.
Nossas histórias
Hoje, somos dez mulheres no Congresso em Foco, em diferentes cargos. É uma maioria apertada (ao todo, temos 19 pessoas). Nós, mulheres, decidimos montar um grupo para conversar sobre nossas questões em um ambiente seguro. Nossos colegas homens certamente irão entender: precisamos de um espaço para falar de coisas que nos fazem sentir humilhadas, objetificadas, e que muitas vezes passam despercebidas.
Para mim, foi assustador ler o relato das minhas colegas sobre assédios, abusos e machismos que vivenciaram em empregos passados. Daí surgiu a ideia de montarmos um manual de boas práticas para ajudar nossos colegas e empregadores a saber como agir conosco. Sabemos que muitos homens têm boa intenção e preza pela igualdade, mas podem se sentir perdidos sobre como começar.
Reproduzimos o manual abaixo, para que ele possa circular e até ser replicado em outros lugares e empresas.
[foogallery id=”484604″]
Este site sempre teve o compromisso de defender a democracia e os direitos humanos. Portanto, é coerente que nos ceda espaço para falar sobre nossas jornadas (alô, Lumena!) e iniciar um diálogo respeitoso sobre como garantir segurança, respeito e igualdade no ambiente de trabalho e nos locais que temos que circular.
Fazer a cobertura jornalística de um Executivo e Legislativo feitos de homens e para homens nos expõe a uma série de indignidades. Só para citar um exemplo, uma vez um senador apalpou o meu peito enquanto me explicava que eu pronuncio meu sobrenome de forma errada. “Não é Audi, é Audí”, disse. Ou seja, o cara tentou me ensinar a falar o meu próprio nome enquanto botava a mão no meu peito. Isso aconteceu em um dos restaurantes da Câmara, um lugar bem movimentado, aos olhos de todo mundo. Claro que ninguém fez nada.
É com esse tipo de coisa que temos de lidar frequentemente. Vou contar alguns dos relatos que ouvi, mas, obviamente, não identificarei os citados para preservar a privacidade de todos.
O primeiro relato é de uma vida repleta de assédios, que me fizeram chorar quando li. Reproduzo as palavras dela:
“Sofro violência sexual desde a infância. O primeiro caso de assédio que me lembro eu tinha 7 anos, mais ou menos. Foi realizado por um tio, que era monge da Igreja Católica. Ele voltou a me assediar diversas vezes até o início da fase adulta. Ele tocava meu corpo e encenava atos sexuais comigo.
Na escola, quando eu tinha 14 anos mais ou menos, tive um professor de ciências que também me assediava. Ele dizia que eu “dava mole”. Eu era mesmo a fim dele, aquela paixão adolescente pelo professor, o que não dava nenhum direito dele tocar em mim. Até que ele tentou me beijar no laboratório e eu tive que correr e chamá-lo de pedófilo no meio da escola.
Mais tarde, tive um relacionamento tóxico aos 18 anos. Ele foi o rapaz com quem perdi minha virgindade. Tinha 28 e era alcoólatra. Quase morremos várias vezes por ele dirigir bêbado. Sofri todos os abusos possíveis.
Aos 21, já em outro relacionamento, comecei a fazer terapia e só a partir de então entendi que praticamente todas as relações que tivemos, desde a primeira vez, foram estupros bem articulados e matematicamente arquitetados para isso. Eu não sabia o que era estupro por não saber o que era sexo de uma forma geral, mas fui estuprada cotidianamente durante um ano”.
Pausa para processar tamanha monstruosidade. Seguimos com os relatos.
Uma de nós conta que, quando trabalhava como recepcionista, recebeu a proposta de um desembargador importante de ir para um hotel com ele. Ele chegou a chacoalhar uma nota de R$ 50 e dizer que poderia “acabar com a vida” dela se não topasse o encontro. “Você tá pensando que é quem? Você não é ninguém para negar”, vociferou. Quando o homem finalmente foi embora, uma pessoa que estava no mesmo ambiente a cumprimentou: “Conquistou o desembargador, hein? Um dos grandes!”.
Outra colega conta que já ouviu que “nunca conseguiria ter uma carreira sem usar de trocas sexuais” e que “acreditar que poderia subir na carreira sem isso sendo mulher era ‘excesso de autoconfiança'”. Eu particularmente espero que esta pessoa esteja lendo esse texto, porque sinto avisar que ela subiu, sim – mas por competência própria.
Aguenta mais alguns exemplos? Vamos lá:
Uma colega conta que fez um fala-povo sobre o dia das mulheres e um dos depoimentos era de um homem que dizia que gostava das mulheres porque “nada melhor que chegar em casa e estar tudo arrumado e a comida feita”. “Questionei o editor-chefe do programa sobre qual a razão de em pleno 2012 (na época) dar espaço para este tipo de fala. O editor me respondeu: ‘é a opinião dele, ué’. Virou as costas e foi embora”, disse.
Essa mesma mulher já levou um TAPA NA CARA de um homem por se recusar a participar de uma dinâmica em uma agência em que trabalhava. Foi chorar no banheiro, sozinha, e ninguém a ajudou.
Ela também já ouviu de empregadores que era “atrevida”, não sabia das coisas por ser “novinha”, foi interrompida em diversas reuniões e chegou a bater boca com um colega machista na frente da redação e os outros funcionários só a defenderam quando o cara em questão já tinha ido embora.
Já outra colega teve que abandonar um emprego que era importante para ela porque sofria assédio escancarado do presidente da empresa. Ele chegou a ligar pra ela insistentemente chamando para passar uma noite com ele num hotel. E só parou quando ela ameaçou contar para o pai.
Quero concluir com as palavras certeiras de outra das nossas colegas. Você, homem que está lendo este texto, pense nisso, por favor.
“É difícil achar um lugar seguro para nós mulheres e estar na ‘linha de frente’ da reportagem jornalística te impõe essa circunstância. Você está sentada no meio fio com o computador no colo correndo para cumprir o dealine quando repara que está sendo “olhada” por algum (ou alguns) homens pela forma como senta, pelo que sua roupa mostra. É fazer uma pergunta no ‘quebra queixo’ e o ministro ficar surpreso que você teve a capacidade de fazê-la. Estar no meio da coletiva e perceber que o entrevistado ou outro homem no recinto está de olho no seu decote, nas suas pernas. Se sentir um objeto de uso público. É muitas vezes se sentir insegura até mesmo entre colegas. Ouvir comentários de um ex-chefe – com histórico de assediador-, que só os faz para tentar se ‘aproximar de você’ e te fazem questionar sua própria capacidade. É não poder confiar muitas vezes nos canais da empresa para denúncias desses assédios e seguir coagida. Mas ainda têm momentos em que, quando você percebe que está em uma dessas situações acima, olha para uma mulher do seu lado e ela também percebeu o que você está passando. E só pelo olhar, ainda que simbólico, vocês firmam um pacto secreto e silencioso – mas poderoso – vamos juntas.”
* Colaboraram: Ana Krüger, Carlês Barroso, Fernanda Pereira, Íris Lucia Costa, Karla Vallini, Larissa Calixto, Marília Sena, Marina Oliveira e Thais Rodrigues.