Leonardo Coelho
Especial para o Congresso em Foco
Após um número recorde de candidaturas, a comunidade surda acordou na última segunda-feira (16) com duas candidatas a vereadora eleitas. Isabelle Dias, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) do Paraná, e Ana Kelly Nunes, a Kelinha de Naldo, do Cidadania da Paraíba.
>Surdos se candidatam em número recorde e buscam vencer preconceito e exclusão
Ambas figuravam na lista de 66 candidatos surdos e surdas criada e compartilhada pela própria comunidade via WhatsApp e divulgada pelo Congresso em Foco no último dia 12. Distribuído entre 61 cidades de todas as regiões do país, o número de candidaturas já configurava um recorde histórico uma vez que, entre 2008 e 2016, o Brasil teve apenas 11 candidatos a cargos políticos surdos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ou seja, o total de candidaturas de pessoas com deficiência auditiva cresceu pelo menos seis vezes nesse período.
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Outras 41 pessoas da comunidade surda também tiveram relativo sucesso: ficaram na lista de suplentes e têm chance de, eventualmente, substituir algum vereador de seus respectivos partidos.
As candidaturas vitoriosas se deram em duas cidades que não são capitais, Paranaguá (PR), de 133 mil habitantes, e Araçagi (PB), onde vivem 17 mil pessoas. Há uma prevalência de candidaturas de surdos fora dos grandes centros urbanos. Apenas 12 capitais apareciam na lista de municípios com candidatos surdos, o que representa 21,3% desse universo.
PublicidadeKelinha de Naldo é manicure e graduanda em Letras eleita para a Câmara Municipal do pequeno município de Araçagi, no interior da Paraíba.
A primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem ligação com os surdos e se comunica por meio de Libras, saudou as candidatas vitoriosas pelo Instagram. “Eu me enchi de emoção quando vi a Michelle compartilhando isso”, disse Ana Kelly ao Congresso em Foco.
Surda desde bebê, Ana conversou com a reportagem por meio de uma intérprete. “Sou a primeira surda a ganhar na minha cidade e no estado inteiro”, ressalta, explicando que suas pautas vão girar em torno de questões de acessibilidade. “No momento nós não temos nada ou muito pouco de acesso aos deficientes da região, que são praticamente desconhecidos. Eu fui a uma região rural próxima onde os deficientes auditivos ainda se comunicavam por mímica e leitura labial. Uma das minhas prioridade é fazer o censo dos surdos na região”.
Sua colega eleita, a professora de Libras Isabelle Dias se utilizou bastante de suas redes sociais para energizar sua candidatura na cidade litorânea de Paranaguá, no Paraná, onde será a única mulher na Câmara Municipal. O Congresso em Foco entrou em contato com a candidata, que compartilhou sua emoção por poder representar os surdos da sua região.
“Ser mulher e surda é um desafio diário”, admite Isabelle, compartilhando a sensação de ter que lutar todos os dias com a falta de empatia das pessoas com os surdos, ainda mais no contexto atual da pandemia de Covid-19 onde todos usam as máscaras “Isso faz com que a leitura labial seja impossível de realizar”.
As pautas de Isabelle irão girar em torno de questões de acessibilidade, um problema conhecido pela comunidade Brasil adentro. “Vamos lutar por uma central com Intérprete de Libras para atender aos surdos em Hospitais públicos, Serviços das Prefeitura como IPTU e outros. Que se tenha uma Central que disponibilize Intérpretes para os surdos dentro do município”.
Apesar da vitória nas urnas, a representatividade ainda é baixa. “A eleição de somente duas políticas surdas em um país continental como o nosso é no mínimo preocupante”, avalia o vereador Pedrinho (Podemos-GO), de Catalão, que foi um dos políticos surdos pioneiro no país e que não conseguiu se reeleger, ficando como suplente nesta eleição.
“Com base nos meus dois mandatos, acredito que a maior dificuldade que os candidatos eleitos e suplentes enfrentarão será o apoio da população em geral, não somente a surda, à destinação de projetos e verbas à inclusão dessa minoria”.
Mesmo assim, o vereador parabenizou as candidatas vitoriosas, apontando que o dever de um vereador deve sempre andar de braços dados com a hierarquia das normas.
Veterano de outras eleições, o líder surdo gaúcho Cristian Strack aconselhou alguns candidatos esse ano, sugerindo que tivessem total compreensão dos assuntos que venham a propor. Para Cristian, o importante é influenciar a criação de uma nova política na comunidade surda. “Não queremos ficar quietos. Falem com atitude e autoconfiança, sempre abertos à opinião do povo, independentemente de vocês se elegerem ou não”.
Valdo Nóbrega, professor de Libras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ficou feliz ao saber que ao menos uma cidade do estado em que mora terá uma representante de sua comunidade.
Para o professor um das principais pautas a ser perseguida politicamente é o respeito do uso de língua de sinais nas câmaras municipais. “Ali é o espaço público que a comunidade surda deve frequentar”, aponta, adicionando que essa luta terá que vir também dos próprios surdos. “Não podemos ficar à mercê apenas das pessoas que foram eleitas”.