Tomadas em um espaço de menos de 24 horas entre as últimas quinta (13) e sexta-feira (14), as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, de decretar a prisão preventiva do italiano Cesare Battisti, e a do presidente Michel Temer, de assinar sua extradição, dividem argumentações jurídicas por principalmente dois motivos.
A defesa do ex-militante, condenado no país natal à prisão perpétua por quatro mortes na década de 1970, insiste que o Executivo brasileiro já perdeu o prazo para anular o ato do ex-presidente Lula – em dezembro de 2010, em seu último dia de mandato, o petista negou a extradição de Battisti. Diz também que o italiano, por ter filho brasileiro economicamente dependente, não pode ser expulso do país.
Para o professor e doutor em Ciências Humanas Carlos Lungarzo, ambos os argumentos dos advogados são válidos. O primeiro é previsto no artigo 54 da Lei de Procedimento Administrativo (Lei 9784/99), que determina que “o direito da Administração de anular os atos administrativos [no caso, o decreto de Lula em 2010] de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos”.
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O segundo, como aponta Lungarzo, consta da Lei de Migração (Lei 12445/17), em seu artigo 55: “Não se procederá à expulsão quando o expulsando [Battisti] tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela”.
Lungarzo considera que a decisão da extradição foi tomada agora porque Itália e Brasil estão alinhados, ideologicamente, contra Battisti e o que sua manutenção no Brasil representa. Para ele, a combinação indica “a existência de um pacto entre as poderosas corporações militares e policiais para torturar Battisti”.
Publicidade“Delongas”
Para o deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR), líder da frente parlamentar Brasil/Itália, esses dois argumentos são apenas “delongas” da defesa de Battisti e foram “sepultados” com a decisão de Fux na última quinta (13). A determinação de prisão do italiano para fins de extradição foi tomada monocraticamente.
“Eu vejo que toda defesa em favor do Cesare Battsiti foi por água abaixo. Foi apenas para ganhar tempo. Estar no Brasil, ter relação no Brasil, filho no Brasil, são apenas chicanas jurídicas”, disse Bueno ao Congresso em Foco.
“A questão, do ponto de vista jurídico-político, está fechada. Agora só falta achar o figura”, acrescentou o deputado.
Surpresa
Especialistas consideram a decisão de Temer controversa e dizem ter sido pegos de surpresa. O caráter inusitado do ato do Executivo foi apontado pela advogada constitucionalista Vera Chemim.
“O correto seria esperar a decisão em plenário do STF”, observou Vera, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao jornal Folha de S.Paulo. “São dois processo paralelos: um político e outro jurídico. Houve um desfecho pela via política, e é o que deve prevalecer. Mas é possível questionar sob o aspecto do respeito entre Poderes.”
Há até quem tenha apontado a inconstitucionalidade da decisão de Temer. Para o professor emérito de Direito na Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari diz que a medida é “absurdo completo”. “Foi uma decisão unilateral, mas o processo envolve direitos fundamentais da pessoa humana. Tem que passar pelo plenário”, defendeu o jurista, que também citou o prazo de cinco anos para que uma decisão presidencial seja revertida.
“A lei dispõe que o prazo para anulação de atos para que favoreçam o destinatário de asilo prescreve em cinco anos. O prazo máximo para reformar a decisão de Lula já se esgotou há muito tempo”, completa Dalmo.
Por sua vez, a advogada-geral da União, ministra Grace Mendonça, mencionou a atribuição assegurada ao chefe do Executivo federal. “O presidente achou que era o momento de assinar [a ordem de extradição], já que não há mais obstáculos após a decisão do ministro da Suprema Corte”, disse a chefe da AGU.
Novela
Considerado foragido pela Polícia Federal, o italiano de 63 anos fazia parte do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC) e foi condenado à prisão perpétua na Itália em 1993. Em 2004, mudou-se para o Brasil e em 2007 foi preso. O governo italiano pediu a extradição de Battisti, mas o então ministro da Justiça Tarso Genro concedeu refúgio político a ele.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu então que a palavra final deveria ficar a cargo do então presidente Lula. Mas, nas mesma decisão, não declarou a irreversibilidade da decisão presidencial. No último dia de seu governo, em 31 de dezembro de 2010, Lula negou a extradição do italiano.
Temer poderia ter repassado a responsabilidade pela extradição de Battisti ao seu sucessor, Jair Bolsonaro (PSL). Pelo presidente eleito, o ex-ativista já pode se considerar extraditado. Em troca de mensagens pelo Twitter com o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, Bolsonaro disse que, no que depender dele, o italiano voltará a cumprir pena na Europa.
“Obrigado pela consideração de sempre, senhor ministro do Interior da Itália. Que tudo seja normalizado brevemente no caso deste terrorista assassino defendido pelos companheiros de ideais brasileiros. Conte conosco”, publicou o presidente eleito, em resposta ao ministro italiano.
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