Em artigo publicado pela Folha de S.Paulo (leia a íntegra mais abaixo) neste domingo (7), dia que completa um ano desde que foi preso, o ex-presidente Lula reafirma sua inocência, critica a condução do processo que resultou em sua condenação, tanto pelo ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) quanto pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e questiona a quem interessa mantê-lo preso. O petista também acusa o Supremo Tribunal Federal (STF) de negar sua liberdade em decorrência de pressões da mídia, do mercado e das Forças Armadas.
“Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por ‘atos indeterminados’ sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como confirmou recentemente Jair Bolsonaro, o maior beneficiário daquela perseguição”, escreve.
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Ao empossar o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro fez um discurso enigmático de agradecimento ao ex-comandante do Exército general Villas Bôas. “General Villas Boas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, declarou o presidente. No ano passado Villas Bôas causou polêmica ao publicar textos nas redes sociais às vésperas do julgamento de um recurso de Lula no Supremo.
“Parcialidade”
No texto, o ex-presidente acusa Sérgio Moro de agir com parcialidade e de ter ajudado o atual governo. “Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro, confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma prova sequer contra mim”, declara o petista.
Lula afirma que sua candidatura foi proibida contrariando a lei eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir seus direitos políticos e que não há nada que respalde a sua prisão. “Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o objetivo que era impedir minha eleição, se não há nada que sustente essa prisão? Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha”, diz.
PublicidadeDerrotas na Justiça
Ele está preso desde 7 de abril de 2018 em uma sala especial de 15 metros quadrados no 4º andar da sede da Polícia Federal em Curitiba. Desde então, saiu apenas duas vezes de lá: em 14 de novembro, para depor à Justiça Federal; e em 2 de março, para acompanhar o velório do neto Arthur, de 7 anos, que morreu com um quadro de infecção generalizada. O ex-presidente foi preso após ter sido condenado, em segunda instância pelo TRF-4, à pena de 12 anos e um mês de prisão no caso do triplex do Guarujá (SP).
O petista sofreu várias derrotas judiciais no último ano. Além de ter pedidos de liberdade e tentativa de anular a condenação negados, ele também foi impedido de disputar a eleição presidencial. Os advogados de Lula depositam suas esperanças agora em duas frentes. No julgamento de um recurso que pede a anulação da condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e na decisão do Supremo sobre a legalidade das prisões após condenações em segunda instância. Esse julgamento estava marcado para a próxima quarta-feira (10), mas foi adiado por tempo indeterminado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo ele.
Veja a íntegra do artigo do ex-presidente Lula publicado na Folha de S.Paulo:
“Por que têm tanto medo de Lula livre?
Já alcançaram o objetivo, que era impedir a minha eleição
Luiz Inácio Lula da Silva *
Faz um ano que estou preso injustamente, acusado e condenado por um crime que nunca existiu. Cada dia que passei aqui fez aumentar minha indignação, mas mantenho a fé num julgamento justo em que a verdade vai prevalecer. Posso dormir com a consciência tranquila de minha inocência. Duvido que tenham sono leve os que me condenaram numa farsa judicial.
O que mais me angustia, no entanto, é o que se passa com o Brasil e o sofrimento do nosso povo. Para me impor um juízo de exceção, romperam os limites da lei e da Constituição, fragilizando a democracia. Os direitos do povo e da cidadania vêm sendo revogados, enquanto impõem o arrocho dos salários, a precarização do emprego e a alta do custo de vida. Entregam a soberania nacional, nossas riquezas, nossas empresas e até o nosso território para satisfazer interesses estrangeiros.
Hoje está claro que a minha condenação foi parte de um movimento político a partir da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014. Derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, a oposição escolheu o caminho do golpe para voltar ao poder, retomando o vício autoritário das classes dominantes brasileiras.
O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32 milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.
Aquele modelo era e é intolerável para uma camada privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com exportadores tradicionais de outros países.
O impeachment veio para trazer de volta o neoliberalismo, em versão ainda mais radical. Para tanto, sabotaram os esforços do governo Dilma para enfrentar a crise econômica e corrigir seus próprios erros. Afundaram o país num colapso fiscal e numa recessão que ainda perdura. Prometeram que bastava tirar o PT do governo que os problemas do país acabariam.
O povo logo percebeu que havia sido enganado. O desemprego aumentou, os programas sociais foram esvaziados, escolas e hospitais perderam verbas. Uma política suicida implantada pela Petrobras tornou o preço do gás de cozinha proibitivo para os pobres e levou à paralisação dos caminhoneiros. Querem acabar com a aposentadoria dos idosos e dos trabalhadores rurais.
Nas caravanas pelo país, vi nos olhos de nossa gente a esperança e o desejo de retomar aquele modelo que começou a corrigir as desigualdades e deu oportunidades a quem nunca as teve. Já no início de 2018 as pesquisas apontavam que eu venceria as eleições em primeiro turno.
Era preciso impedir minha candidatura a qualquer custo. A Lava Jato, que foi pano de fundo no golpe do impeachment, atropelou prazos e prerrogativas da defesa para me condenar antes das eleições. Haviam grampeado ilegalmente minhas conversas, os telefones de meus advogados e até a presidenta da República. Fui alvo de uma condução coercitiva ilegal, verdadeiro sequestro. Vasculharam minha casa, reviraram meu colchão, tomaram celulares e até tablets de meus netos.
Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por “atos indeterminados” sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como confirmou recentemente Jair Bolsonaro, o maior beneficiário daquela perseguição.
Minha candidatura foi proibida contrariando a lei eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir os meus direitos políticos. E, mesmo assim, nosso candidato Fernando Haddad teve expressivas votações e só foi derrotado pela indústria de mentiras de Bolsonaro nas redes sociais, financiada por caixa 2 até com dinheiro estrangeiro, segundo a imprensa.
Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro, confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma prova sequer contra mim.
Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o objetivo que era impedir minha eleição, se não há nada que sustente essa prisão? Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha.
Eles sabem que minha libertação é parte importante da retomada da democracia no Brasil. Mas são incapazes de conviver com o processo democrático.
* Ex-presidente da República (2003-2010).“