Em entrevista exclusiva ao jornal O Globo, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) admitiu pela primeira vez que seu ex-assessor Fabrício Queiroz, hoje em prisão domiciliar, pagava suas despesas pessoais. O dinheiro, no entanto, segundo o filho do presidente Jair Bolsonaro, era de origem lícita e não tinha ligação com as arrecadações feitas por Queiroz em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
>Disputa pela sucessão de Maia na Câmara é majoritariamente masculina
“Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”
Flávio alega que o ex-assessor recolhia parte do salário de funcionários do gabinete para contratar informalmente mais pessoas para trabalhar em favor de seu mandato. O senador afirma que só tomou conhecimento da prática posteriormente.
Leia também
“Ele fez um posicionamento junto ao MP esclarecendo essas questões. Disse que as pessoas que faziam os depósitos na conta dele eram da chamada equipe de rua. Queiroz afirma que pegava o dinheiro para fazer a subcontratação de outras pessoas para trabalharem em redutos onde ele tinha força. Sempre fui bem votado nesses locais. Talvez tenha sido um pouco relaxado de não olhar isso mais de perto, deixei muito a cargo dele. Mas é óbvio que, se soubesse que ele fazia isso, jamais concordaria. Até porque não precisava, meu gabinete sempre foi muito enxuto, e na Assembleia existia a possibilidade de desmembrar cargos.”
Na entrevista aos repórteres Paulo Cappelli e Thiago Prado, o senador ainda defendeu a criação de um tributo nos moldes da extinta CPMF, conforme pretende o ministro da Economia, mas também se posicionou a favor do aumento dos gastos do governo, medida combatida por Paulo Guedes.
“É uma equação em que não dá para fazer mágica. Por um lado, se o Paulo Guedes segura e não faz loucuras, é porque já foram R$ 700 bilhões gastos no combate à pandemia, justamente o que estimávamos economizar em dez anos com a Reforma da Previdência. Por outro lado, acho que tem de haver uma certa flexibilização. Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos. Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura.”
Flávio Bolsonaro também defendeu a nomeação de indicados pelo Centrão para cargos na administração federal, desde que não tenham condenações em segunda instância. O senador também fez críticas ao ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e à Lava Jato. Segundo ele, a operação tenta fazer “gol de mão” nas investigações e a PF tem sido mais produtiva após a saída de Moro.
PublicidadeVeja alguns pontos da entrevista:
Sobre o pagamento de R$ 100 mil feito por Queiroz, em dinheiro vivo, para o plano de saúde da família do senador:
“Em 12 anos? Você acha isso muito dinheiro em 12 anos? Minhas contas são investigadas desde 2007. Se você pegar esse dinheiro, R$ 120 mil, e diluir em 12 anos, vai dar R$ 1.000 por mês. Isso é muito? Não é muito. Qualquer plano familiar baratinho é mais do que isso. Não tem ilegalidade. A origem dos recursos é toda lícita. Tenho uma vida simples para caramba. Não esbanjo nada. Meu modo de vida passa longe de uma pessoa rica.”
Sobre a grande movimentação em dinheiro vivo na franquia da loja de chocolates do senador:
“É um comércio. Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, não vou aceitar? Se eu fosse fazer uma besteira, seria numa franquia, que tem monitoramento da matriz? Se quisesse fazer coisa errada, ia para qualquer outro ramo que é muito mais fácil. Sempre tive preocupação de ter algo no setor privado, porque sei que o mandato eletivo não é permanente. É desproporcional o que o MP quer fazer comigo e a projeção que isso tem na imprensa, pelo simples fato de eu ser filho do presidente (Jair Bolsonaro). Se não fosse isso, se bobear, já tinham arquivado (a investigação) pelo princípio da insignificância.”
Sobre o fato de Queiro ter sido encontrado em imóvel de seu então advogado, Frederick Wassef:
“Óbvio que não sabíamos. Por precaução, nunca mais falei com o Queiroz, nem por telefone, para não insinuarem que eu estava combinando alguma coisa com ele. O Fred (Wassef) teve quatro cânceres, né? O Queiroz estava tratando de um câncer também. Se ele (Wassef) se sensibilizou e deixou o imóvel para ele (Queiroz) usar, não tem crime nenhum nisso, nada de errado. Agora, é óbvio que isso não podia ter acontecido nunca. Foi um erro. Se (Wassef) tivesse comentado comigo, diria que ele estava sendo imprudente. Dá margem para as pessoas pensarem que a gente estava ali escondendo o Queiroz. Agora, cabe lembrar: escondendo de quê? Queiroz nunca foi procurado pela polícia.”
Sobre a origem dos R$ 100 mil pagos em dinheiro vivo por Queiroz ao Hospital Albert Einstein, para tratamento contra câncer:
“Pagar cerca de R$ 100 mil em “cash”, obviamente, não é algo normal, né… A origem do dinheiro, eu não sei qual é. Ele é um cara que tinha os rolos dele, mas, obviamente, não fui eu que internei ele lá e não fui eu que paguei a despesa. Não sei de onde veio esse dinheiro. Tem que perguntar para ele.”
Sobre a disputa entre Aras e a Lava Jato:
“Qualquer investigação tem que acontecer dentro da lei e os excessos precisam ser investigados. Não dá para a gente jogar uma partida de futebol, um time fazer gol de mão e o outro aceitar. Pelo que acompanho, há suspeitas de que pessoas com foro por prerrogativa de função estavam sendo investigados por procuradores de 1ª instância, inclusive alterando os nomes dos investigados para não ficar claro que se tratava de um senador ou de um deputado (o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, foram citados em investigações da Lava-Jato de Curitiba, mas com outros sobrenomes).”
Sobre os efeitos da saída de Moro do governo:
“Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava-Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa quantidade toda de operações. Inclusive com a saída de (Sergio) Moro, a produção do Ministério da Justiça subiu demais. O (Sergio) Moro na verdade saiu do governo porque percebeu que não havia um alinhamento ideológico, no tocante às armas, por exemplo.”
Sobre o aumento ou não dos gastos públicos:
“É uma equação em que não dá para fazer mágica. Por um lado, se o Paulo Guedes segura e não faz loucuras, é porque já foram R$ 700 bilhões gastos no combate à pandemia, justamente o que estimávamos economizar em dez anos com a Reforma da Previdência. Por outro lado, acho que tem de haver uma certa flexibilização. Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos. Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura.”
Sobre a proposta de se criar um imposto sobre movimentações financeiras:
“Não tem contradição nisso. Temos que tirar o peso tributário de setores importantes para geração de empregos e substituir por esse imposto digital, que não será uma CPMF. O Paulo Guedes ainda não apresentou o texto final, mas já falou em redução da carga tributária sobre folha de pagamento e de aumentar o limite de isenção de imposto de renda. Acho o imposto digital atrativo, porque tira carga de quem gera emprego e dos mais pobres e aumenta a base de contribuintes e diminui a sonegação.”
Sobre a atuação de assessores do Planalto na disseminação de notícias falsas:
“Acho completamente legítimo. Campanha eleitoral é uma guerra política. Nós fomos alvos de ataques de adversários, então é natural que houvesse pessoas voluntárias, como era o caso dele e de vários outros, para defender e atacar o outro lado. Agora, se teve crime de ofensa a honra, tem que responder por isso. Não dá é para criar uma narrativa de que há uma coordenação, por parte nossa, de ataques a adversários. Hoje, com rede social, ninguém controla isso. Nesse projeto de lei das fake news que tramita no Congresso, está claro que quem está a favor, na grande maioria, é quem quer calar os conservadores e os perfis de direita. Quem decide o que é fake news? Se eu falar que a cloroquina, em muitos casos, salvou vidas, estaria propagando fake news?”
Sobre a reeleição de Maia e Davi:
“Entendo que, pela proporcionalidade, comparado com a Câmara, Davi (Alcolumbre) poderia ficar mais dois anos, já que o mandato de senador tem oito anos (os deputados têm mandatos de quatro anos, mas os presidentes de ambas as Casas ficam dois anos no comando). Ele tem sido muito colaborativo com o governo. Já o Rodrigo Maia não acho que possa se reeleger mais. Ele embarreira algumas pautas que, no meu ponto de vista, são desnecessárias. Ele acaba se arvorando de, na qualidade de presidente da Câmara, falar pelo plenário, o que não é democrático. Tem Medidas Provisórias que ele deixou caducar e projetos de lei que ele não pauta. Mas são agendas vitoriosas nas urnas, como a das armas.”