Rafael Neves
Especial para o Congresso em Foco
Figura central da 57ª fase da Lava Jato, deflagrada nesta quarta-feira (5), a área de trading da Petrobras (compra e venda de petróleo e derivados no exterior) já foi citada por delatores da operação como um negócio bilionário e submetido a pouca vigilância.
Em sua delação, o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró disse que o volume de produtos comercializados pela companhia fora do Brasil dá brecha para fraudes. “Os centavos das negociações diárias podem render milhões de dólares ao final do mês em propina”, diz no acordo de colaboração.
Até agora, no entanto, nenhuma fase da Lava Jato havia focado especificamente nesta área. A fiscalização era frouxa, segundo Cerveró, devido ao dinamismo do mercado: como a Petrobras precisa atender demandas diárias de vários países por produtos como gasolina, óleo diesel e querosene de aviação, os negócios eram fechados diretamente pela área de Abastecimento, sem passar pelo crivo da Diretoria Executiva. A mesma realidade, segundo ele, imperava sobre o afretamento de navios, que já foi investigado em várias fases da operação.
Leia também
Outro delator, o ex-senador Delcídio do Amaral, diz na colaboração que a área já era cobiçada para indicações políticas desde muito antes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O motivo: o setor “permite que pequenas variações no preço do petróleo representem altos ganhos aos seus principais operadores, dando azo a um terreno fértil para várias ilicitudes”.
Na transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o de Lula, o único diretor mantido em seu cargo foi Rogério Manso, em Abastecimento (Paulo Roberto Costa, um dos primeiro delator de peso da Lava Jato, só entraria um ano depois, em 2004).
PublicidadeSegundo a delação de Delcídio, o novo ministro da Fazenda Antonio Palocci “bancou” a permanência de Rogério a pedido de Pedro Malan, ex-ministro tucano, “para manter esse quadro de ilicitude”. As acusações do ex-senador petista nunca foram provadas.
A Petrobras e Rogério Manso enviaram notas ao Congresso em Foco sobre as informações citadas nesta reportagem. Leia a íntegra das manifestações mais abaixo.
A nova fase
Batizada de “Sem Limites”, a operação desta quarta (5) investiga propinas de pelo menos US$ 31 milhões (R$ 118,9 milhões no câmbio atual) pagas a ex-funcionários da Petrobras. O dinheiro teria sido repassado por empresas como Vitol, Trafigura e Gleconre, que vendem as mercadorias da estatal no mercado internacional.
Um ex-dirigente da Trafigura, Mariano Marcondes Ferraz, chegou a ser preso, processado e condenado a 10 anos e 8 meses de prisão pela Lava Jato, mas a ação contra ele não tratou de trading. Ele foi sentenciado pelo pagamento de US$ 868,4 mil (R$ 3,33 milhões em valores de hoje) a Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento, para que a empresa Decal do Brasil renovasse um contrato com a Petrobras para serviços náuticos no porto de Suape, em Pernambuco.
O Ministério Público Federal (MPF) afirma que as multinacionais investigadas na fase desta quarta-feira pagam propinas “para obter facilidades, conseguir preços mais vantajosos e realizar contratos com maior frequência”. Os funcionários corrompidos, segundo o MPF, eram da gerência executiva de Marketing e Comercialização, subordinada à diretoria de Abastecimento.
O que dizem os citados
Em nota Rogério Manso nega as irregularidades atribuídas a ele pelo delator Nestor Cerveró. Leia a íntegra:
“Desde que deixei o Abastecimento, em maio de 2004, não tive contato ou atuação, direta ou indireta, com o trading de combustíveis e petróleo da Petrobras. Orientei minha carreira para novas atividades, desde o gás e energia, à implantação de projetos de renováveis, área em que atuo desde 2007.
Durante minha carreira, incluindo o período em que fui reponsável pela área de Abastecimento, jamais realizei ou permiti que alguém realizasse qualquer ato ilícito que pudesse prejudicar a Companhia a que servi, com orgulho, durante 28 anos. Nunca precisei de apoio político para progredir; como empregado concursado e com experiência nas áreas em que atuei, sempre exerci minhas atribuições de forma leal e honesta.
Prevalecendo a justiça, espero que as acusações mentirosas e difamatórias de Nestor Cerveró gerem consequências comensuráveis em sua delação premiada”.
O Congresso em Foco procurou a Petrobras para saber como os negócios de trading e afretamento são conduzidos atualmente, e aguarda posicionamento da companhia. Porém, estatal se limitou a dizer que colabora com a Operação Lava Jato e que é reconhecida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como “vítima dos crimes desvendados”.
A nota cita ainda que a empresa é a maior interessada no esclarecimento dos fatos. “A companhia seguirá adotando as medidas necessárias para obter a devida reparação dos danos que lhe foram causados”, diz a manifestação.