Crédito: Agência Senado
Paulo Henrique Zarat
O ritual é sempre o mesmo. Basta surgir alguma denúncia na imprensa contra um senador que lá vai ele até à tribuna se defender. Durante a defesa, não falta solidariedade dos colegas, que, na maioria das vezes, mesmo sem saber se são verdadeiras ou não as acusações, não poupam elogios à figura do senador colocado na defensiva. As denúncias são logo tachadas de absurdas e descabidas e, em geral, são arquivadas sem serem investigadas.
Na última terça-feira (16), o senador Ney Suassuna (PMDB-PB, foto acima) foi à tribuna se explicar contra a acusação de fazer parte da quadrilha de comprava ambulâncias em licitações fraudadas. O esquema foi descoberto pela Polícia Federal na Operação Sanguessuga. Em depoimento à polícia, a ex-assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino, que foi presa na Operação, acusou Suassuna de apresentar emendas para compra de ambulâncias superfaturadas. Na operação, dois assessores do senador foram presos.
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Suassuna, que integra a base governista, falou por mais de uma hora da tribuna do plenário, admitindo que apresentou emendas para ambulâncias, mas negando qualquer irregularidade. Foi interrompido por nada mais nada menos que 14 senadores, de diversos partidos. A cada intervenção, sua figura era elogiada por palavras que o definiam como "um líder", "um homem transparente", "honrado" e outros adjetivos semelhantes, ao mesmo tempo em que tachavam a acusação de "absurda" e "descabida". Detalhe fundamental: quase não se discutiu o mérito da denúncia ou a necessidade de apurá-la.
Vossa Excelência é o máximo!
"Primeiramente, quero prestar a V. Exª toda a minha solidariedade. V. Exª sabe do compromisso que temos com a verdade e tem participado desse esforço no Congresso. V. Exª, durante anos, tem colaborado no sentido de melhorar os procedimentos do orçamento, de dar mais transparência, de fiscalizar melhor. Infelizmente, vivemos um momento de denuncismo desvairado. Tudo é denúncia!", disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR).
O senador José Jorge (PFL-PE), um dos principais nomes da bancada de oposição no Senado, também interveio em favor do colega governista: "Meu caro senador Ney Suassuna, todos nós conhecemos o trabalho de líder que V. Exª realiza aqui. Na realidade, os políticos de uma maneira geral são sempre acusados e, muitas vezes, sem direito de defesa, isto é, antes de ter o direito de se defender, as acusações já estão na rua, e a pessoa julgada e condenada. Tenho certeza de que vai poder esclarecer todos esses fatos e continuar o seu trabalho de líder do maior partido da Casa".
Ao final do discurso, o presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), que por acaso presidia a sessão no plenário, tranqüilizou Suassuna de uma vez por todas. "V. Exª foi ovacionado por quase todos os partidos presentes na Casa: PSDB, PFL, PMDB… V. Exª fez um pronunciamento de mais de uma hora, muito convincente. Em vez anterior, V. Exª. teve uma demanda com o Conselho de Ética desta Casa, do qual sou Presidente, e por não se encontrar nenhuma prova, foi encaminhada ao arquivo. A imprensa não deu nenhuma nota a esse respeito. Vejo que V. Exª novamente é brindado com uma denúncia vazia", concluiu João Alberto.
Acordo tácito
Esse foi o caso mais recente, mas não o único, que demonstra o corporativismo entre os senadores. Parece haver uma espécie de acordo tácito entre eles com a finalidade de não levar adiante as investigações das denúncias que pesam sobre suas costas.
Outro episódio em que ficou latente esse corporativismo foi o do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), quando seu nome surgiu nas investigações da CPI dos Correios como beneficiário do valerioduto. Também não faltaram colegas que se solidarizaram com ele.
"Todos nós conhecemos a história de Minas. Quero dizer a V. Exª que nenhum político da grandiosa Minas o excedeu em postura e decência. O Piauí sempre respeitou o nome de V. Exª, que foi, no meu Governo, o escolhido para receber a medalha maior, Renascença, mérito do Estado", defendeu o senador Mâo Santa (PMDB-PI).
As investigações da CPI dos Correios foram concluídas e o nome do senador Azeredo está no relatório que foi entregue ao Ministério Público. No entanto, o Conselho de Ética e a Corregedoria do Senado não abriram nenhuma investigação contra o senador de Minas Gerais.
Cientista político critica prática
Em junho do ano passado, foi a vez da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) ir se defender na tribuna de acusações publicadas na revista Veja. Segundo a reportagem, a senadora participava de um esquema com funcionários do Ibama que vendiam autorizações para madeireiros extraírem e transportarem madeiras no Pará. Em troca, os madeireiros tinham que repassar uma porcentagem para as campanhas dos candidatos petistas naquele estado, entre eles a senadora Ana Julia. E, mais uma vez, não faltaram colegas para se solidarizar com a senadora.
Também não houve nenhum movimento do Conselho de Ética ou da Corregedoria do Senado no sentido de esclarecer as denúncias
Na visão do cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília, esse corporativismo é normal e existe em qualquer instituição. No entanto, "em determinadas situações esse corporativismo é exaltado e, no Senado, ele é prejudicial na medida em que impede os debates que interessam o país", disse o cientista.
Por outro lado, Leonardo tenta explicar a existência desse corporativismo por conta dos "constantes ataques desferidos pela imprensa aos parlamentares", o que os levaria a criar laços de solidariedade entre eles.