A votação da Medida Provisória 870, da reforma administrativa, acontece nesta terça-feira (28) no Senado, mas não será tranquila como o governo gostaria e precisava. Um destaque que pretende mandar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de volta para o Ministério da Justiça coloca a proposta, que perde a validade semana que vem, em risco. Nos bastidores, até senadores que publicamente se posicionam a favor do trecho – e na votação que será nominal assim se colocarão -, defendem um posicionamento mais contundente do presidente Jair Bolsonaro junto ao seu partido, o PSL, uma intervenção pessoal, para impedir que a emenda seja aprovada e a MP retorne para a Câmara.
O presidente tem mandado recados. Ontem à noite, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros disse que Bolsonaro defende a manutenção do texto conforme aprovado na Câmara devido à necessidade de “acelerar” o processo de estruturação dos ministérios.
“Nenhum governo passou por essa situação de não aprovar sua estrutura administrativa. É uma deferência do Congresso”
Simone Tebet (MDB-MS)
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Publicidade“O presidente se coloca aberto ao diálogo com todos os parlamentares, incluindo os do seu partido, mas o entendimento do presidente neste momento é que o Congresso, no entendimento de acelerar o processo de estruturação do governo, deve enxergar esse processo de uma forma bastante objetiva. Para isso, a pessoa do governo Jair Bolsonaro entende que as alterações que foram realizadas na Câmara e que estão sendo analisados pelo Senado são as alterações que cabem dentro do texto inicial do presidente, afinal termos um conjunto de ministérios que é muito mais efetivo, eficaz e eficiente para o governo”, afirmou.
Mas nem mesmo com os apelos de Jair Bolsonaro, que têm sido feitos desde semana passada – na quinta (23), em sua live semanal no Facebook, ele já havia se posicionado contrário às iniciativas de alterar a MP no Senado -, o líder de seu partido no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), mostra disposição de recuar.
“Se há um tema que foi unânime nas manifestações, foi de manter o Coaf com [Sérgio] Moro. Se a Câmara não quiser, que responda à sociedade. Cada um na medida da sua responsabilidade. O risco sempre existe. É a hora de cada um assumir sua responsabilidade. O papel da Câmara é votar. Ah, não vai dar tempo? O Senado está a todo tempo votando as MPs nos últimos momentos. Tem o tempo hábil sim para que a Câmara aprecie”, disse o senador.
O colega no Senado Espiridião Amin (PP-SC) também vai votar pelo retorno do Coaf ao Ministério da Justiça, assim como Telmário Mota (Pros-RR) e o vice-líder do governo na Casa Izalci Lucas (PSDB-DF), além de Simone Tebet (MDB-MS).
“Nenhum governo passou por essa situação de não aprovar sua estrutura administrativa. É uma deferência do Congresso. O Congresso nunca nega isso se não for inconstitucional”, afirmou a senadora.
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O governo tem se movimentado. Na noite desta segunda (27), o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que inclusive relatou a MP 870, reuniram-se para tentar traçar um plano para barrar alterações no texto. Coelho teme mudanças que levem ao retorno à Câmara.
Onyx fez algumas ligações a parlamentares desde o fim de semana. Mas conforme relatos de alguns senadores que receberam os telefonemas, os apelos do ministro não surtiram efeito. “A votação será nominal. Não tem como eu deixar de votar conforme acredito ser melhor. Eles precisam atuar direto na base deles, não com os independentes”, afirmou um parlamentar procurado que pediu para não ser identificado.
Ambos, Onyx e Bezerra, devem investir no corpo a corpo com os senadores que defendem o retorno do Coaf à Justiça ao longo do dia, até o horário da votação, e até mesmo enquanto o debate acontece. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também será instado a atuar.
Entre os senadores que estão convencidos da mudança, porém, só isso não vai funcionar. E quem pretende votar a favor, mas acha arriscado a MP perder a validade e não acredita ser viável que isso ocorra, somente uma ligação, ou um encontro, uma conversa pessoal de Bolsonaro com os seus próprios senadores, o PSL, pode resolver a “emboscada” na qual o governo se encontra. Foram palavras de quatro parlamentares que conversaram em condição de anonimato com o Congresso em Foco.
Qual o debate?
O destaque que retoma o texto original conforme enviado pelo governo e atende ao lobby do ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi sinalizado pelo Podemos e é apoiado por integrantes do PSL de Bolsonaro, e outros que se dizem aliados do governo na Casa, além de vários senadores independentes, como MDB, PSDB, PSD, e até oposicionistas, como Rede. A discussão é manter o Coaf no Ministério da Economia, como o texto está agora, ou devolver à guarda do ex-juiz da Lava Jato.
A proposta vence na próxima segunda, dia 3 de junho e, sem ela, Jair Bolsonaro vai, por exemplo, precisar retomar a estrutura administrativa deixada por Michel Temer, com 29 ministérios – ao assumir, o presidente reduziu a máquina pública para 22 pastas.
Para além das diversas argumentações a respeito do destino do Coaf – que passam desde o exemplo seguido em outros países, à realidade já manifestada no Brasil que até o ano passado tinha o Coaf na Fazenda, até ao fato de se estar colocando muito poder nas mãos de Sérgio Moro, com o conselho em suas mãos – caso os senadores mudem a MP na votação desta terça, ela precisará retornar à Câmara, que terá a palavra final.
Nem mesmo o PT, que o governo acusa de apostar no “quanto pior melhor”, quer provocar um caos na administração de Bolsonaro. “O partido não tem interesse de inflingir derrota nessa pauta. O presidente é soberano para organizar ministérios e administração. O PT não quer desfigurar a estrutura administrativa desenhada para a própria administração do Bolsonaro”, disse uma fonte petista.
Os seis senadores do PT vão endossar o discurso da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR), logo após a votação na Câmara na semana passada, segundo quem mesmo o Coaf estando no Ministério da Economia, “está tudo em casa”.
O líder da maioria, Eduardo Braga (MDB-AM), não acredita que haja votos suficientes para aprovar o destaque. Já o cálculo do outro lado é o oposto: a maioria dos parlamentares se sentirá pressionado a avalizar o trecho em defesa de Moro.
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