Sylvio Costa
Com 43 anos de idade, o paulista Nemo Nox é um aventureiro. Nascido em Santos, já morou, entre outras cidades, no Rio, em São Paulo, Porto Alegre, Madri, Londres, Lisboa e Miami. Sua maior aventura, porém, está nos projetos que desenvolve ou desenvolveu na internet. Depois de trabalhar 12 anos em publicidade, produzindo e dirigindo comerciais para televisão, migrou profissionalmente para a internet em meados de década de 90.
Na WEB, Nemo Nox transformou-se em lenda. Não apenas pelo mistério que faz em torno do seu nome de registro civil, que ele não revela. Apesar de ter trabalhado para grandes empresas do ramo (como a brasileira BOL e a norte-americana AXN), tornou-se conhecido, sobretudo, em razão de projetos que tocou pessoalmente, geralmente sem retorno financeiro.
O primeiro deles, o blog "Diário da Megalópole", foi lançado em março de 1998 em São Paulo e é considerado o primeiro blog produzido em português. O mais recente, "Por um Punhado de Pixels", recebeu no final de 2004 da Deutsche Welle (DW), estatal de comunicação da Alemanha, o prêmio de melhor weblog do mundo. Mas a trajetória de Nemo na rede envolve a criação de sites culturais e do que ele chamou de "Pictoblog". Para acessar todos os trabalhos, atuais e anteriores dele, na internet, você pode ir ao endereço http://www.nemonox.com/.
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Dos Estados Unidos, onde mora atualmente, ou no Brasil, onde se encontra para obter documentos necessários à finalização do seu processo de imigração nos EUA, ele acompanha com interesse a evolução dos blogs brasileiros, a cobertura dos escândalos do governo Lula, além de estar sempre ligado naquela que é a sua grande onda: cultura, aí incluídos quadrinhos, cinema, música, literatura e tudo o mais.
Foi com toda essa bagagem que Nemo deu, por meio da troca de e-mails, a entrevista que segue ao Congresso em Foco. Ele fala que a imprensa do país sabe investigar e "tem revelado ao público muito dos bastidores podres da política brasileira". Mas, queixa-se: "A minha reclamação maior é que o interesse, muitas vezes, não parece ser a resolução dos problemas e sim o espetáculo montado ao redor dos escândalos, do aspecto bizarro, da secretária que quer aparecer na Playboy, da parlamentar que fez uma dancinha infeliz".
PublicidadeTambém faz críticas aos blogs políticos brasileiros: "Em comparação com o que acontece nos EUA, eles ainda estão engatinhando. A parte das briguinhas partidárias é bem parecida, mas no Brasil ainda está faltando o ativismo que verifica tudo o que diz a mídia e que dizem os partidos, o blogueiro engajado que confere dados, faz pesquisas, expõe falhas e desmascara armações".
Mesmo assim, o blogueiro saúda o fenômeno, acrescentando: "Não foi só o cenário político que mudou com a popularização dos weblogs. Houve fragmentação e multiplicação dos formadores de opinião, em todas as áreas. Isso tirou da grande mídia o controle sobre as discussões e abriu caminho para manifestações que antes, por vários motivos, não ganhavam destaque".
Para Nemo, "a impunidade no Brasil continua sendo a regra, mostrando a todos no país que é lucrativo e razoavelmente seguro ser corrupto". Ele completa: "O que me entristece é perceber um clima de conformismo na população, de ‘o Brasil sempre foi assim’, de ‘vai acabar tudo em pizza mais uma vez’".
Leia a seguir a entrevista completa.
Congresso em Foco – Você tem acompanhado de alguma forma o noticiário sobre os escândalos que atingiram o PT e o governo Lula?
Nemo Nox – Acompanho, tentando não me envolver muito. Como assim? Por que não se envolver? A maior parte das notícias sobre a vida política brasileira (e não só as que tratam de escândalos) provoca uma certa angústia. Eu tento não me envolver emocionalmente, principalmente porque estou numa fase de transição entre o Brasil e os EUA, no final do processo legal de imigração, e ainda tenho outras angústias políticas me esperando por lá.
Como essas informações chegam aos brasileiros que vivem nos Estados Unidos, como você?
Eu leio jornais e revistas do Brasil através da internet. E, claro, os blogs estão sempre apontando para notícias e artigos que merecem destaque.
Muitas pessoas no Brasil, principalmente aquelas ligadas ao (ou com alguma simpatia pelo) PT, têm criticado a cobertura da imprensa brasileira. Elas alegam que há má vontade da imprensa em relação a Lula. Algumas chegam a falar em golpismo… Essas críticas lhe parecem justas? A imprensa exerce sobre o Lula uma vigilância que não exerceu em relação, por exemplo, a Fernando Henrique?
Para mim, a mídia deveria manter-se sempre numa postura crítica em relação ao governo, qualquer governo, analisando coerência ideológica, cobrando promessas eleitorais, verificando como as verbas são aplicadas, pesquisando possíveis falcatruas, enfim, funcionando como um olho atento a serviço da população. Se há algum problema a apontar nesse sentido, então não seria o excesso crítico de hoje, mas sim o comportamento brando de antes.
Você poderia apontar os pontos que considera mais fracos e mais fortes na cobertura que a imprensa brasileira faz dos escândalos políticos?
A minha reclamação maior é que o interesse, muitas vezes, não parece ser a resolução dos problemas e sim o espetáculo montado ao redor dos escândalos, do aspecto bizarro, da secretária que quer aparecer na Playboy, da parlamentar que fez uma dancinha infeliz para comemorar uma votação favorável. O aspecto mais positivo é certamente a vertente investigativa do jornalismo, que tem revelado ao público muito dos bastidores podres da política brasileira, com detalhes, documentos, gravações, depoimentos etc.
De que maneira você, um pioneiro da chamada blogosfera, analisa a proliferação dos blogs e sites políticos no Brasil?
Em comparação com o que acontece nos EUA, os blogs políticos brasileiros ainda estão engatinhando. A parte das briguinhas partidárias é bem parecida, mas no Brasil ainda está faltando o ativismo que verifica tudo o que diz a mídia e que dizem os partidos, o blogueiro engajado que confere dados, faz pesquisas, expõe falhas e desmascara armações.
Você pode citar exemplos de blogs ou sites que cumprem bem esse papel no EUA ou em outros países?
Existem muitos. Aqui vão alguns que acompanho: Crooks and Liars, Daily Kos, Eschaton e Talk Left.
Essa possibilidade de interferir na cena política é, no seu entender, a principal mudança ocorrida na blogosfera desde que você lançou seu primeiro blog? Que outros aspectos importantes você destacaria em relação ao fenômeno?
Não foi só o cenário político que mudou com a popularização dos weblogs. Houve fragmentação e multiplicação dos formadores de opinião, em todas as áreas. Há dez anos o que tínhamos para ler sobre cinema, por exemplo, era o que diziam os mesmo críticos dos mesmos grandes veículos. Hoje cada um seleciona seus blogueiros preferidos para pegar dicas sobre filmes, livros, música, restaurantes etc. Isso tirou da grande mídia o controle sobre as discussões e abriu caminho para manifestações que antes, por vários motivos, não ganhavam destaque.
Os blogs e sites aumentam a confusão, os ruídos de comunicação, a difusão de versões não comprováveis ou dão vida à democracia e possibilitam às pessoas participar mais da vida política?
Eu considero um progresso gigantesco no cenário político termos vozes individuais com poder cada vez mais comparável ao dos grandes interesses econômicos. Em muitos casos, são esses cidadãos que estão fazendo o trabalho que deveria ser da mídia. Um político publica uma foto mostrando a calma no centro de Bagdá, palco de uma guerra controversa, e os blogueiros logo descobrem que na verdade era uma foto de Istambul, na Turquia. Um grande jornal contrata um jovem republicano e os blogueiros descobrem seu passado de plágios descarados, forçando uma demissão rápida. Sem a blogosfera, muitos episódios desses passariam sem resposta.
O ambiente político no Brasil é mais corrupto que nos Estados Unidos e outros países que você conhece?
Acredito que corrupção, ou pelo menos a oportunidade de corrupção, existe em qualquer governo. O que muda é o grau de impunidade. Quando o político corrupto é exposto e punido pelo que faz, a corrupção tende a diminuir porque nem todos estão dispostos a correr esse tipo de risco. Parece óbvio, mas mesmo assim a impunidade no Brasil continua sendo a regra, mostrando a todos no país que é lucrativo e razoavelmente seguro ser corrupto. Mas obviamente a corrupção não é exclusividade brasileira, e basta dar uma olhada no relacionamento da administração Bush com empresas como Haliburton ou Lincoln Group para perceber que as coisas não vão bem nos EUA em termos de probidade política.
Na internet, você parece dar prioridade a temas da cultura e do cotidiano: o que faz, o que lê, o que vê etc. Você considera adequada a maneira pela qual essas questões (da cultura e do dia-a-dia) são tratadas na mídia brasileira, seja a mídia online ou a tradicional?
Acho a mídia brasileira paupérrima na área cultural. O press release se transformou na fonte principal da maior parte dos jornalistas, e tanto jornais diários como revistas semanais repetem sem pudor os mesmos factóides distribuídos pelas assessorias de imprensa. Existem exceções, claro, mas entre os veículos mais vendidos é difícil encontrar uma resenha que fuja da pasmaceira habitual.
Perdão pela minha intrusão algo ingênua, mar por que você não gosta de usar seu nome verdadeiro e se apresenta na internet apenas como Nemo Nox?
Nemo Nox é um nome tão verdadeiro como Woody Allen ou George Orwell, ou seja, simplesmente um nome artístico que ficou mais conhecido que o nome que está na certidão de nascimento.
Isso tem a ver com sua paixão por quadrinhos, quer dizer, com a idéia de, sei lá, construir um personagem? E como a coisa funciona no dia-a-dia, com colegas de trabalho, amigos, a família etc.? Não é um personagem, é só outro nome para a mesma pessoa (lembra daquela frase do Shakespeare, "o que chamamos de rosa mesmo com outro nome teria igual perfume"?). Começou quase como uma brincadeira, mas acabei ficando conhecido como Nemo Nox na internet e o nome já está comigo há mais de dez anos.
Vou ser intrometido de novo. Afinal, sou jornalista. Você ganha ou já ganhou dinheiro com seus blogs, ou sobrevive e sobreviveu com outras fontes de renda?
Nunca ganhei dinheiro diretamente com meus sites e blogs, mas eles servem de vitrine para o meu trabalho. Comecei a blogar quando fui para São Paulo para assumir a posição de editor-chefe da redação do Trix em 1998. Depois disso, já fui webmaster no BOL (também em São Paulo), diretor de conteúdo no AXN (Miami Beach, EUA), e diretor de arte na Just-a-Click (Alexandria, EUA). Agora estou no Brasil finalizando meu processo de imigração para os EUA e me preparando para novas aventuras profissionais.
Pelo que li no blog, você está viajando pelo Brasil. Quando voltará aos EUA? E o que está achando do que viu por aqui? A impressão é de que "está tudo na mesma"? Até onde você teve chance de perceber, como os brasileiros com quem você esteve estão reagindo à atual temporada de escândalos?
Sim, estou no Brasil mergulhado na burocracia da fase final do processo de imigração. Em termos políticos, não vejo grandes mudanças além de mais um desencanto. Mais um grupo que se apresentava literalmente como a salvação da pátria e ao subir ao poder nada fez do que prometeu, pelo contrário. O que me entristece é perceber um clima de conformismo na população, de "o Brasil sempre foi assim", de "vai acabar tudo em pizza mais uma vez".
Você sempre dá crédito a Vivane Menezes como a primeira brasileira que produziu um weblog. Mas, creio, o blog que ela criou (White Noise) não está mais no ar. Você sabe se ela continua, com o perdão da palavra, blogando?
Onde poderíamos localizá-la? Não tenho contato com a Viviane. Durante algum tempo, eu fui apontado como o primeiro blogueiro brasileiro. Mas, depois de uma entrevista minha à extinta revista Play, a Viviane disse, também em entrevista à Play, que tinha iniciado seu primeiro blog (em inglês) um mês antes do meu (em português), e assumiu o posto de primeira blogueira brasileira. Não sei se ela continua blogando.