Eduardo Aires Berbert Galvão *
Os servidores públicos nem são muitos, nem são caros. Nesse momento estão servindo de bode expiatório para a crise econômica brasileira que, mais que uma causa, é uma consequência direta da crise política que paralisa o Brasil desde meados de 2015.
Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os países-membros diz que o serviço público brasileiro não está inchado. Na Dinamarca e na Noruega, 35% dos trabalhadores ativos estão de alguma forma vinculados ao serviço público. Suécia, Reino Unido, Bélgica, Canadá e França mantêm 20% ou mais de seus trabalhadores ligados ao serviço público. A média dos países da OCDE é de 21%. O Brasil mantém módicos 12%. Essa também é a conclusão que já chegou à mãe que tenta matricular um filho na escola pública ou mesmo levá-lo a um posto de saúde na periferia das grandes cidades e uma vítima de violência que não encontra uma única viatura policial para prestar socorro em um momento de grande aflição.
Afirmar que o servidor público é muito bem remunerado também não parece razoável. Embora a remuneração média do serviço público seja maior que a da iniciativa privada, é bom lembrar que para o ingresso no serviço público é requerido um cidadão acima da média. Em qualquer empresa com altos padrões de exigência, é natural que a contrapartida paga também seja acima da média. Muito embora a remuneração média do brasileiro seja, quiçá, suficiente para subsistência. Nossos preços têm padrão europeu e nossa remuneração, padrão africano.
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O grande problema que enfrentamos é o de uma atividade econômica pífia, uma massa descomunal de sonegadores e até mesmo distorções dentro do próprio serviço público em que algumas elites com apoio e conivência dos governantes insistem em replicar o vexatório modelo de concentração de renda existente em todos os outros setores da sociedade Brasileira. Não é razoável que o governo ofereça a dois cargos, que exigem como requisito a aprovação em concurso público e curso superior, remunerações com variação de 1500%. Isso é, no mínimo, vexatório.
Para quem acredita em coincidência vale ressaltar que grande parte dos gastos com o funcionalismo se confunde com os “investimentos” dos governos em “saúde, educação e segurança pública”. Como são serviços, não há como aplicar esse dinheiro sem as pessoas, ou seja, sem os servidores. Ocorre que os governos são constitucionalmente obrigados a gastar uma parte do que arrecadam com esses serviços e nesse momento, nosso Congresso está discutindo ao mesmo tempo dois projetos. Um que em tese trataria da renegociação da dívida dos estados, mas que, em termos práticos, ataca os servidores públicos; e outro que trata da desvinculação de receitas constitucionais. Por um lado, os servidores são atacados por causa da crise fiscal, por outro o governo já planeja utilizar o dinheiro que obrigatoriamente deveria ser aplicado em saúde, educação e segurança pública em “outros projetos”.
PublicidadeA consequência lógica será a piora acentuada nos serviços prestados aos cidadãos. Sobrecarregados, os servidores denunciam que faltam pessoas, faltam recursos tecnológicos, faltam instrumentos de trabalho, falta bom senso, só não falta dinheiro para as agências de publicidade e para as consultorias que são os novos ralos por onde escorre parte significativa do dinheiro público. Juntemos isso aos antigos ralos que são os contratos de informática e as empreiteiras, o Brasil está sendo inviabilizado para as próximas gerações.
A renegociação da dívida dos estados é uma prioridade, quem tem conhecimento sobre as finanças públicas não ousa discordar disso. O governo federal agiu durante muito tempo como um agiota e se financiou à custa da saúde financeira dos estados. Os servidores não se opõem a dar sua contribuição para o enfrentamento da crise, mas creem que alguns requisitos devam ser cumpridos. O primeiro é uma auditoria da dívida, pois ela tem características contestáveis. Existem denúncias consistentes de estatizações de dívidas privadas, incorporação de valores sem lastro em contrapartidas e até dívidas que foram apropriadas em nome do Estado com origem em paraísos fiscais.
Não há no Projeto de Lei Complementar 54/2016 qualquer limite a expansão da dívida dos estados provenientes de aumentos dos juros cobrados. No estado de Goiás, a título de exemplo, 16% de tudo que era arrecadado ia para pagamento do serviço da dívida. Isso é mais que tudo que o estado aplica em saúde. Não sem motivos, mesmo em tempos de crise, os bancos vêm batendo sucessivos recordes de lucratividade. E, já que mencionamos, os bancos são a exceção à regra da economia brasileira que é predominantemente composta de micro e pequenas empresas de baixa produtividade e lucratividade. Via de regra não conseguimos produzir com eficiência e em larga escala o Brasil tem papel figurativo no ranking global de produtividade. Mudar isso é muito difícil.
Enquanto a economia mundial trabalha com taxa de juros negativa para incentivar a atividade econômica local, no Brasil pagamos taxas de juros extorsivas. Como enfrentar de igual para igual um empresa que pega dinheiro a 0,2% ao mês para expandir sua atividade com nossa taxa mensal de juros? Isso já ajuda a explicar o momento difícil enfrentado pelo Brasil, mas não é suficiente. Muitos dos problemas econômicos têm origem, como dito anteriormente, na crise política. E as feridas dessa crise estão expostas, o remédio não pode ser simplesmente um engodo proveniente de uma visão financista e simplista, agradável ao ouvido, mas insuficiente para a resolver de fato a situação severa que o Brasil atravessa.
* Eduardo Aires Berbert Galvão é gestor governamental, especialista em planejamento e orçamento, membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção do Governo do Estado de Goiás, presidente do Sindicato dos Gestores Governamentais e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás.