“A mídia não é guardiã da reputação pública das organizações”
(Jonathan Boddy, relações públicas e especialista em gerenciamento de crise na Grã-Bretanha)
João José Forni *
O que uma organização da dimensão e importância da Petrobras deveria fazer para tentar conter a crise atual, cada vez mais desgastante para a sua reputação? Vale recorrer aos especialistas em gestão de crises, principalmente aqueles chamados para socorrer empresas do porte de uma das maiores petroleiras do mundo e que vê dia a dia a reputação esvair-se no escrutínio da opinião pública.
Não bastassem todas as notícias negativas e denúncias das últimas semanas, no último dia 17, a Polícia Federal passou cinco horas na sede da empresa, no Rio de Janeiro. Como a empresa colaborou, entregando documentos da segunda fase da Operação Lava Jato, não foi preciso a Polícia Federal cumprir os mandados de busca e apreensão. O pivô da intervenção da PF é o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, que ali atuou por oito anos.
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Esse diretor se transformou num autêntico “homem-bomba”. Ressalvada a colaboração da presidente da Petrobras à PF, o episódio é mais um a denegrir a imagem da multinacional brasileira, no bojo de uma crise que começou com a revelação de um negócio muito mal explicado: a compra de refinaria em Pasadena, Texas.
“O que define uma grande empresa é a maneira como ela lida bem com os problemas e alcança seus objetivos de negócios, enquanto fornece resultados de uma maneira consistente com os interesses comuns de todos os seus constituintes”
(Peter Verengia, especialista em Comunicação)
Ameaças ou ataques à reputação impactam diretamente os valores das organizações: valores internos de pertencimento, de autoestima, do orgulho de pertencer à corporação; valores financeiros, materializados nos resultados, no faturamento, nas relações comerciais, na segurança e confiança dos acionistas, clientes, investidores, parceiros e fornecedores. Mas, principalmente, impactam o valor de mercado da empresa.
Ameaças à reputação, portanto, significam também prejuízos, não só à empresa, mas também aos stakeholders e ao país. O mercado precifica denúncias, acusações e até especulações. E é implacável com empresas que não conseguem explicar adequadamente fatos negativos. A versão sobre as crises, muitas vezes, são mais deletérias do que a própria crise.
A Petrobras está na fase do crisis management (gerenciamento de crise). Ou seja, ela precisa administrar a crise durante a fase aguda dos acontecimentos, para tentar conter o passivo negativo. Os especialistas dizem ser este o pior momento para gerenciar uma crise. Se a Petrobras traçou algum cenário, preparando-se para essa intempérie, não sabemos. Tudo leva a crer que foi colhida de surpresa, não apenas pelas denúncias, mas pelo contexto, velocidade e extensão em que estão ocorrendo, com respingos no Palácio do Planalto, em ex-diretores, parlamentares do partido governista, nos negócios no exterior e na sede da empresa.
Marcas fortes são mais resilientes, mas sofrem mais pressão
A Petrobras tem uma marca forte. Há dois anos, figurava no Índice Forbes Global como a décima empresa do mundo, com ativos de US$ 319 bilhões. Passou incólume ou desgastada por várias outras crises no passado. Aprendeu com elas. A ponto de criar uma área de gerenciamento de crises considerada bastante eficiente, quando precisou administrar crises operacionais.
A crise atual difere de vazamentos, como ocorreram na Baía de Guanabara e na Refinaria Getúlio Vargas, em Araucária (PR), nos anos 1990. Ou, até mesmo, bem diferente do mais grave acidente da história da Petrobras: a explosão, seguida de afundamento, da Plataforma P-36, em 2001, com a morte de 11 empregados.
De modo genérico, sem entrar no mérito das questões até agora divulgadas, o que uma empresa em situação parecida com a da Petrobras, com denúncias graves divulgadas, diariamente, precisaria fazer, sob a ótica da gestão de crises, para tentar conter o tsunami que há pelo menos quatro semanas não tira a petroleira das manchetes?
• Se a Petrobras ainda não mantém contrato com empresa especializada, deve contratar imediatamente uma consultoria nacional ou internacional, com know-how em gestão de crises, de preferência crises de reputação. Trazer os melhores especialistas e construir um Plano de Recuperação de Imagem.
• Instalar um “Gabinete de Crise” full time para gerenciar todas as ações relacionadas com as denúncias e os procedimentos de comunicação. Consta que já foi ativado. Esse time de crise teria que ter um coordenador com amplo respaldo da organização, da diretoria e do governo, e total liberdade de atuação, sob o comando direto da principal executiva.
• Rapidamente, junto com a consultoria externa, deveria montar uma estratégia de reação às denúncias, com ações objetivas e efetivas de apuração de todos os fatos denunciados, além de mudar a comunicação da empresa sobre a crise. Até agora, a sensação é de uma comunicação reativa e contida, provavelmente pelos pruridos políticos que envolvem os escândalos denunciados. Não há alternativa. Se a empresa quiser limpar a reputação, não há como fazer essa omelete sem quebrar os ovos. Terá que atropelar interesses políticos.
• Uma estratégia de recuperação da imagem supõe uma equipe totalmente engajada nos objetivos da empresa, sem interferências políticas ou administrativas. Precisaria identificar os pontos críticos e tocar o dedo na ferida, sem medo de ferir suscetibilidades, interesses de partidos, tanto do governo, quanto aliados, de sindicatos, políticos ou membros da gestão anterior. Atuar com o pé no freio, com medo de eventual arranhão na reputação da administração anterior ou de ferir interesses de diretores, indicados por políticos ou amigos do rei, não ajudará a empresa a sair da crise.
• Uma mudança radical na comunicação. Com comunicados atualizados, sempre que notícias negativas forem publicadas. Da forma como vem ocorrendo, parece só existir um lado conduzindo a comunicação da crise: a imprensa e os demais interlocutores, parlamentares da situação, da oposição, especialistas, comentaristas. A Petrobras deve transformar a sua comunicação na principal fonte de explicação da crise e não deixar a imprensa, como tem acontecido, ser protagonista das versões sobre a crise.
• É preciso definir na empresa quem será a “cara” dessa crise. A presidente da estatal? É uma decisão estratégica importante neste momento. Para isso, ela precisaria ser muito bem treinada e também ter tempo disponível, além de disposição, para as intensas demandas da mídia, inclusive internacional. Há algum diretor com credibilidade, treinado em media training, conhecedor do “negócio” da Petrobras, para assumir esse papel de porta-voz? Se existe, poderia ser uma opção para preservar a presidente da empresa.
• Assumir o controle da comunicação da crise com respostas consistentes. As respostas precisam mostrar compromisso com a transparência sobre todos os atos que acabaram motivando a atual crise. É a única forma de trabalhar a comunicação para tentar reverter o estrago à imagem da empresa. Pode-se partir da premissa de uma pergunta mais ou menos assim: o que um jornalista do exterior, que não sabe detalhes sobre a crise da Petrobras, mas acompanha de longe, gostaria de receber da empresa para construir uma reportagem correta, veraz? Naturalmente, tudo isso implica admitir que a empresa pode e quer dar respostas para as denúncias sobre negócios no exterior e no país, sem esconder nada.
• A empresa precisa demonstrar ao mercado e ao país a disposição firme de esclarecer tudo e extirpar eventuais resquícios de uso político ou privado, por meio de negócios suspeitos ou desvios de recursos. Para isso, deve afastar imediatamente todas as pessoas suspeitas de qualquer ligação com executivos ou ex-executivos comprometidos com os malfeitos que a Polícia Federal está apurando.
• Discurso com viés político não soluciona as crises. Não basta a presidente da República irritar-se em eventos oficiais e dizer que irá defender a Petrobras da “campanha negativa”, insinuando ser este um comportamento orquestrado por opositores ou quiçá pela mídia. Essa crise não tem origem externa. Vem de dentro da empresa, como aliás 80% das crises corporativas. Quem denegriu a imagem da Petrobras foram os erros de gestão, sabe-se agora, muito provavelmente por influência política; foram negócios pra lá de suspeitos, em licitações com propósitos de beneficiar pessoas ou apadrinhados por executivos indicados pelo governo.
• Não há dúvida, as crises sugam energia. Por mais que a empresa tente passar uma imagem de normalidade, divulgando notícias positivas, participando de eventos e até, erradamente, mantendo uma campanha institucional no ar, não há como ignorar esse momento de extrema fragilidade da reputação da organização. A maioria das denúncias e questionamentos não foi respondida pela Petrobras, até pela dificuldade de se contrapor a posições que envolvem a presidente da República e membros do Conselho de Administração.
• A Petrobras precisa consertar o transatlântico em plena velocidade de cruzeiro. E no meio de uma tempestade. O problema é que existem “piratas”, à la “Capitão Phillips”, que tomaram algumas áreas do navio de assalto e não deixam a tripulação sequer diagnosticar os principais problemas com liberdade. Isso porque, ao descobri-los, teria que revelar os bastidores desses problemas, muitas vezes interesses escusos, desconectados da boa governança e dos objetivos do negócio. Sem falar naqueles que não querem apurar nada. Estariam a diretoria e o Conselho de Administração dispostos a trabalhar com disclosure (transparência) total?
• A auditoria da Petrobras foi rápida em divulgar que a SMB Offshore, empresa holandesa que teve negócios com a estatal brasileira, não encontrou “elemento credível” de que a companhia ou seus representantes comerciais teriam pago propinas a funcionários da Petrobras. Essa foi uma das acusações que ajudaram parlamentares a propor uma CPI, no Congresso.
• Mas a empresa tem sido reativa, ou até mesmo lenta, em dar respostas às demais acusações, principalmente as que envolvem dois diretores, um deles demitido e pra lá de enrolado. Quando a opinião pública recebe informações contraditórias, como ocorreu com a estranha nota divulgada pelo Planalto no limiar da crise, ela desconfia que alguém pode estar escondendo algo ou mentindo. Quando a imprensa denunciou que a presidente Dilma, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, tinha aprovado a compra da refinaria, pivô da crise, o Planalto alegou ter recebido “informações incompletas” e um parecer “técnica e juridicamente falho”. Essa nota teve reações negativas da corporação e foi desmentida pelo advogado do diretor que apresentou o resumo técnico. Ele defendeu o diretor dizendo que, 15 dias antes, o estudo completo estava disponível.
• O imbróglio do comunicado do Planalto, que pode ter sido um tiro no pé, se analisado por um lado, ou também uma estratégia deliberada da presidente, para tirar a crise do Planalto e jogar na administração anterior, ficou ainda mais nebuloso, após entrevista do ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli. Ele classificou como “um bom negócio” a suspeita compra da refinaria no Texas. E assegurou que a presidente Dilma falou a verdade quando disse que recebera informações parciais. Gabrielli confessa publicamente que a empresa comandada por ele foi incompetente para dar informações consistentes ao Conselho de Administração sobre um negócio para lá de suspeito. E que esse mesmo Conselho – do qual ele fazia parte – aprovou uma compra milionária, com informações parciais. Quem garante, portanto, que outras operações aprovadas por esse Conselho não estão contaminadas pela mesma omissão? Como se vê, esse capítulo da compra da refinaria no Texas precisa ficar muito esclarecido, até porque ele pode ser a ponta do iceberg de fatos que ainda não vieram à tona.
• Em momentos de crise, confundir faz parte da estratégia para não explicar. E isso não se coaduna com a boa comunicação de crise, nem ajuda na solução do problema. Pesquisa feita nos Estados Unidos mostrou que 55% das pessoas acreditam que todas as empresas mentem nas explicações das crises graves. Reverter essa percepção, portanto, precisa de um extraordinário trabalho de comunicação.
• Desenvolver uma estratégia de recuperação da reputação é a tarefa fundamental. E para a Petrobras, com longa tradição de bons serviços ao país e uma forte reputação, não é tarefa tão difícil. Mas implica ferir interesses, sem dúvida. Espera-se, como disse a presidente da empresa, Graça Foster, em entrevista ao jornal O Globo, que se investigue “tudo o que precisa” e que não fique “pedra sobre pedra”, doa a quem doer. Será que Graça Foster tem força para mexer nesse vespeiro e cumprir a promessa?
• E a CPI? Talvez seja, no momento, o problema menor da Petrobras. Nada se espera de uma CPI, que visa mais colocar nos holofotes parlamentares da oposição e do governo do que apurar alguma coisa. A CPI, dada a interferência dos aliados do governo, já nasceu morta. Será mais uma oportunidade para suas excelências estimularem longos depoimentos que, pressionados pela Copa do Mundo e as eleições, não chegarão a nada. Não é por aí, pois, que a Petrobras vai conduzir uma estratégia de recuperação do seu capital reputacional.
• Investidores, acionistas, prestadores de serviço, a própria mídia esperam que a Petrobras seja o “pusher” de um processo de recuperação de sua reputação, apurando com seriedade o que aconteceu e revelando tudo à opinião pública. Essa é uma contribuição da empresa para o futuro. Até porque o aparelhamento da máquina, como fica demonstrado no desserviço prestado por ex-presidentes e diretores, que usaram a empresa em benefício próprio ou dos interesses mais políticos do que empresariais, com tentáculos que passam por empresas de fachada e doleiros, não interessa nem ao país nem aos funcionários, nem à administração, nem ao atual governo, se eles estiverem realmente comprometidos com o futuro da empresa.
• Encobrir malfeitos ou tentar minimizar a crise por pruridos políticos ou orientações superiores não contribuirá para resolvê-la. Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público da União (MPU), Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal todos estão de olho nas operações da empresa. Ou ela contribui para abrir a “caixa preta” agora ou terá que amargar um passivo de imagem semelhante ao dos Correios e da Infraero, empresas também aparelhadas no primeiro governo Lula e que pagam ainda um alto preço pelo uso da máquina pública. O resultado, apesar da força econômica e o capital reputacional da empresa, poderá ter impacto muito negativo e duradouro.
• O que a Petrobras corre o risco de perder? A confiança do investidor, do funcionário, da sociedade, do mercado. Há algo pior do que isso? Recuperar essa confiança é o primeiro trabalho da administração da Petrobras. Para isso, precisa mostrar ao mercado que, doravante, não haverá interferência política na administração. Convenhamos. Este talvez seja o capítulo mais difícil nesse processo. Implicaria, para dar maior força, o empenho da palavra da própria presidente da República.
• Finalmente, a par de tudo que se sugere aqui, a empresa deve assumir o compromisso de, no mais curto espaço e tempo, concluídas as auditorias, esclarecer amplamente à opinião pública tudo que aconteceu com os negócios suspeitos. Se preciso, a cada veículo de imprensa em particular. E preparar-se para perguntas complicadas. Como esclarecer, por exemplo, por que a Petrobras manteve por oito anos um diretor de Abastecimento, agora preso sob acusação de conduzir uma operação de lavagem de dinheiro, a partir de contratos intermediados junto à empresa, além de manter relações para lá de suspeitas com um doleiro, também preso. “Quase nenhuma crise termina sem sangue no chão”, diz Jack Welch, o guru da GE, no livro Paixão por vencer – A Bíblia do sucesso. Se a Petrobras quiser retomar sua rota de cruzeiro, com o casco do transatlântico preservado, terá, certamente, que tirar muitos fantasmas do armário.
• Enfim, é um trabalho difícil, mas necessário se a empresa quiser realmente entrar numa rota de recuperação da imagem. Nas crises graves, as organizações têm uma oportunidade de conter a intensidade do desgaste à reputação. Chamamos esse timing de “momento zero”. A Petrobras começa a perder esse momento. Como a crise atual vai ser contida ou prosseguir, depende de como a empresa irá administrar esse “momento zero”. Muitas conseguem agravá-lo. Como brasileiros, esperamos que a Petrobras saiba administrá-lo.
• Não se deve esquecer que a maioria das organizações consegue sobreviver às crises. Para a Petrobras, o custo e os reflexos futuros desse Rubicão que ela atravessa depende da forma como essa crise vai ser administrada.
* Jornalista, consultor de comunicação e autor do livro Gestão de Crises e Comunicação – o que gestores e profissionais de comunicação precisam saber para enfrentar crises corporativas.