Osvaldo Martins Rizzo*
Uma antiga campanha publicitária veiculada no Reino Unido propagava que a disponibilidade de crédito permite a satisfação imediata de todos os desejos humanos. Levada a extremos inéditos, essa visão consumista produziu a atual crise global.
A magnitude da atual crise econômica mundial criou um quase consenso entre os analistas de que os governos devem abandonar os ortodoxos ditames neoliberais/monetaristas, passando a intervir diretamente nos mercados com a adoção de medidas compensatórias que visem a combater a efetivação de uma longa recessão mundial.
Dentre essas medidas, aquela de fazer com que o setor público adquira bônus privados de altíssimo risco de crédito representa a que embute um grande potencial de futura desestabilização.
Ao absorver títulos gerados pelo setor privado, os governos estão praticando política monetária expansionista. Noutras palavras: estão injetando mais moeda na economia, aumentando o futuro risco inflacionário.
Passados os efeitos dramáticos da atual crise, se os papéis comprados pelo governo recuperarem seu valor nominal e forem revendidos ao setor privado, a correspondente expansão monetária será revertida sem maiores danos.
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Todavia, se os ativos privados adquiridos não apresentarem valor residual e, desse modo, não forem transferidos por falta de comprador, deveras, estará caracterizada uma operação de simples doação de recursos públicos para o setor privado.
A redução do passivo privado ocorrerá pelo aumento da dívida pública que, no estágio seguinte, será diminuída através da desvalorização da moeda. Na prática, toda a sociedade subsidiará a transferência pagando o imposto inflacionário.
Em uma operação desse tipo, o Banco Central norte-americano (Fed) está comprando bônus lastreados em financiamentos habitacionais de difícil recuperação (sub primes), excluindo esses ativos apodrecidos dos balanços das gigantescas empresas financeiras especializadas em prover o crédito residencial (Fannie Mae; Freddie Mac; etc).
Com essa medida, o Fed tenta reduzir as taxas de juro real dos empréstimos hipotecários estimulando a demanda artificial para a habitação – um ativo improdutivo –; evitando a queda dos preços das casas; mantendo o endividamento das famílias e estimulando o consumo.
No começo desta década, para “limpar” o balanço da Caixa Econômica Federal (CEF) de ativos de altíssimo risco de crédito gerados pelos financiamentos habitacionais concedidos a mutuários sem condições de honrá-los, o governo FHC criou a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), uma espécie de banco público com ativos podres que absorveu os créditos imobiliários da CEF relacionados aos mutuários inadimplentes.
Mensalmente, a Emgea contabiliza déficit superior a R$ 200 milhões, um prejuízo assumido pela União. Quem arca com a inadimplência de alguns mutuários são todos os que pagam impostos no Brasil, pois o dinheiro do Tesouro Nacional sai do bolso do contribuinte.
Desde a sua criação, a Emgea acumula um prejuízo de cerca de R$ 10 bilhões que, para ser futuramente compensado, exigirá um chamamento de capital do “sócio passivo”, ou seja, o contribuinte brasileiro através do aumento da carga tributária e mais inflação.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).