Ana Paula Oriola De Raeffray e Pierre Moreau*
A vida em sociedade é uma sucessão de conquistas pelo homem, conquista-se a propriedade, o poder, os direitos, a tecnologia, a longevidade, dentre tantas outras conquistas, grandes e pequenas, que acontecem todos os dias.
Talvez a principal conquista de direito do homem vivendo em sociedade seja o direito de propriedade, o mais antigo direito e o que propiciou o senso de dignidade humana. Afinal, mesmo antes das civilizações romanas e gregas, era a propriedade que proporcionava segurança e também status.
É claro que com a evolução da sociedade e o crescimento da população, o direito de propriedade foi sofrendo limitações até chegar na limitação contemporânea quando a propriedade deve cumprir a sua função social.
Quando se fala de direito de propriedade e de seus limites, vem logo a mente um princípio que é sempre muito comentado, utilizado em diversas situações e muitas vezes, é dever dizer, lançado para justificar situações nas quais ele não cabe; o chamado direito adquirido. É fácil dizer que o direito adquirido é aquele que se incorporou definitivamente ao patrimônio da pessoa que o adquiriu. Mas, quando há, de fato, essa incorporação definitiva?
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No direito de propriedade a resposta parece ser mais fácil, adquire-se o direito quando, mediante título, obtém-se a posse e a propriedade do bem. Mas quanto a outros direitos, a incorporação do direito a patrimônio pessoal é de mais complexa verificação. Existe uma verdade, todavia, o direito só é adquirido quando é definitivamente incorporado a esse patrimônio.
O direito adquirido vem sendo invocado, sem muito critério, como um dos motivos pelos quais a reforma de Previdência proposta pelo Governo Federal vem sendo criticada desde o seu nascimento. Aqueles que utilizam o direito adquirido como bandeira de oposição à reforma da Previdência Social vem adotando um discurso que não corresponde à realidade do direito adquirido no âmbito da Previdência, criando um mito desnecessário.
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Adquire-se o direito à aposentadoria quando preenchidos os requisitos necessários para se aposentar, ainda que o segurado não se aposente propriamente no momento em que preencheu tais requisitos. Apenas e tão somente se adquire o direito à aposentadoria nesta hipótese. Preenchendo os requisitos, o direito à aposentadoria está adquirido.
Antes de preenchidos os requisitos para a obtenção da aposentadoria, o segurado não titula nenhum direito, mas mera expectativa de direito, a qual é suscetível, sim, a modificações impostas por novas regras, as quais somente não alcançarão o direito de fato adquirido.
A questão do direito adquirido na Previdência Social já foi inclusive objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujo entendimento pacífico é no sentido de que na Previdência Social adquire-se o direito ao benefício, apenas quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria.
É por esta razão que não possui nenhum fundamento a crítica à reforma da previdência quanto à alteração, por exemplo, da idade mínima para a aposentadoria, apresentada como se todos os segurados já houvessem adquirido o direito a determinada idade mínima.
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A idade mínima para a aposentadoria não poderá ser alterada apenas para aqueles segurados que já preencherem, no momento do início de vigência das novas regras, os requisitos para obterem o benefício. Na linguagem própria da previdência social, sejam elegíveis a determinado benefício. Estes são os únicos titulares do direito adquirido.
A proposta de reforma da Previdência que será analisa na próxima semana pelo Congresso Nacional não viola o direito adquirido dos segurados, mas modifica a expectativa de direito, o que é possível na Previdência Social, e na maioria das vezes, necessário, diante do desequilíbrio do sistema.
A Previdência Social é pura relação de seguro de longa duração. Neste tipo de relação duradoura é sempre preciso verificar se a equação matemática do seguro está fechando, ou seja, se os benefícios que serão concedidos se compatibilizam com as fontes de custeio. Na Previdência Social brasileira esta equação não fecha e necessita urgentemente ser revista.
Diversos países já realizaram reformas nos seus sistemas de previdência em virtude de desequilíbrio financeiro e de necessidade econômicas. O direito adquirido, como também está ocorrendo no Brasil, foi respeitado, mas não a expectativa de direito, a qual não é (e nem poderia ser) protegida pela imutabilidade.
A situação econômica brasileira não autoriza que se aguarde mais uma vez a reforma da previdência social, ela tem que se iniciar, pois não será possível manter as regras atuais por muito tempo. Pode-se dizer, que a previdência padece de reformas desde a sua implantação no Brasil, posto que foi adotado modelo que nos países da Europa já apresentava certa exaustão financeira.
A Previdência Social nasceu, na sua roupagem atual, das necessidades sociais verificadas após a segunda guerra mundial e mesmo naquele momento de extremas necessidades sociais, muitos economistas já previam que aquela concessão de inúmeros benefícios não se sustentaria economicamente por muito tempo. O que de fato ocorreu.
As necessidades sociais e o próprio conceito de bem-estar social se alteram na sociedade, razão pela qual não devem padecer de imutabilidade. Nenhum de nós quer que para a garantia de uma expectativa de direito atual, as futuras gerações não consigam contar sequer com um sistema de seguridade social ou com uma previdência social básica. É preciso mudar hoje para garantir o amanhã, sem se deixar levar por mitos.
* Ana Paula Oriola De Raeffray é mestre e doutora em Direito das Relações Sociais da PUC/SP. Professora dos cursos de pós-graduação da PUC/SP e da Uniabrapp. Membro do IBPCS – Instituto Brasileiro de Previdência Complementar e Saúde Suplementar. Sócia do Raeffray Brugioni Advogados.
*Pierre Moreau é mestre e doutor em Direito da PUC/SP. Professor visitante na ST GALLEN UNIVERSITY na Suíça. Membro do Conselho de DIREITO do INSPER – SP. Cursou HARVARD LAW SCHOOL e HARVARD BUSINESS SCHOOL. Sócio fundador da Casa do Saber e do Moreau Advogados.