Cileide Alves*
Na tarde de sexta-feira (16) choveu em Belo Horizonte o correspondente a 40% de toda a chuva prevista para o mês de março. A cidade parou sob a inundação. O trânsito travou. A viagem entre o aeroporto de Confins e a capital mineira que dura, em média, cerca de uma hora prolongou-se por mais de duas horas. Tempo para conversar e ouvir.
Alex, o motorista do Uber, registrava sua 383ª viagem pelo aplicativo em apenas um mês de trabalho.
– Já estou trabalhando há mais de 12 horas – contou-me ainda na área do aeroporto.
– Então você precisa descansar. É até perigoso continuar a dirigir – observei.
– Nada, isso aqui é carne de homem! Eu tenho duas crianças (uma de seis anos e um bebê de 10 meses) e mulher para sustentar. Não posso parar.
Alex trabalhou como office-boy por quatro anos em Belo Horizonte até perder o emprego. Sem alternativa nem dinheiro, alugou um carro de uma locadora de veículos para trabalhar como motorista de aplicativo de transporte. Seu melhor rendimento diário até hoje foram 130 reais líquidos. Sem direito a férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, Alex não reclama da excessiva carga de trabalho. Joga as mãos para o céu, porque tem como sustentar a família.
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PublicidadeEntre uma história e outra de sua vida pessoal, a política entra na conversa.
– Você já tem candidato às eleições? – perguntei.
– Só tenho dois candidatos por enquanto: Jair Bolsonaro (PSL) para presidente e Bim da Ambulância [vereador em Belo Horizonte, pelo PSDB], para deputado estadual.
– Por que Bolsonaro?
– O Brasil está tão mal, que acho que só um doido lá [na Presidência da República] com um 22 na mão para dar conta de consertar.
– Mas se o país está assim tão mal, você não acha arriscado colocar um “doido” lá? – retruquei.
– Não sei. Eu nem sei quem são os candidatos [a presidente]. Vou pensar até lá – desconversou.
A viagem seguia pela MG10, a chamada Linha Verde, quando tive a curiosidade de ouvi-lo sobre o senador Aécio Neves (PSDB). Perguntei se votaria em Aécio e ele respondeu:
– Eu voto. Esse tapete [referindo-se à rodovia] foi ele quem fez.
Alguns minutos depois, o carro para no congestionamento nas proximidades da Cidade Administrativa, a imponente sede do governo mineiro, construída pelo então governador Aécio Neves. O motorista observa:
– Este prédio foi superfaturado. Roubaram muito dinheiro.
– Quem o construiu? – perguntei.
– Aécio Neves.
– E você continuaria a votar nele?
– Votaria, ele fez muita coisa.
Alex diz que não entende de política, mas atribuiu seu desconhecimento a uma questão geracional.
– Eu tenho 30 anos [de idade]. Minha geração nunca vivenciou a política. Gosto de conversar sobre política com meu sogro. Ele tem 64 anos, e conhece tudo. Ele diz que PMDB, DEM, PSDB são prostitutas. Ficam com qualquer governo”.
A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) dois dias antes – ela e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados na noite da quarta-feira (14) no centro do Rio de Janeiro – entrou na conversa. Ele: “ouvi de uma mulher que a vereadora foi morta por acerto de contas do tráfico de drogas”.
A “mulher” era a desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na tarde daquele dia, a desembargadora afirmara em um post no Facebook, com base em notícias falsas, que Marielle Franco “foi eleita pelo Comando Vermelho” e que ela estava “engajada com bandidos”.[1] Alex que não “lê jornal, não ouve rádio nem assiste televisão”, mas difundia a “informação” às 19h30 daquela sexta-feira.
– Isso é notícia falsa … – comecei a dizer ao ser interrompida.
– … é fake news” – afirmou com convicção, utilizando-se a expressão original que eu evitara falar, por acreditar que ele não a conhecesse. Apesar de saber do que se tratava, ele contou outras fake news até o fim da viagem.
Alex tem o perfil do novo eleitor. É jovem, está na base da pirâmide social e tem baixa formação educacional. Faz parte de quase metade da população brasileira que se informa pelas redes sociais – a Pesquisa da Brasilis, realizada de 29 de janeiro a 2 de fevereiro, sugere que 47% dos eleitores leem notícias de política pela internet.[2] Esse eleitor não faz distinção entre fatos e boatos que circula pelas redes, apesar de ter ciência das fake news. Seleciona as informações com base em suas crenças, não em sua veracidade.
Não se incomoda de votar em político acusado de corrupção, desde que este seja um bom tocador de projetos, o conhecido “rouba, mas faz”, e que comungue com suas convicções político-ideológicas. Alex, por exemplo, poupa Aécio Neves, mas condena duramente o ex-presidente Lula, a quem acusa de ser o presidente que “criou o maior programa eleitoral do mundo, o bolsa família”.
Esse eleitor médio está ativo na política, mesmo que de forma indireta, diferentemente das eleições anteriores. Na primeira campanha pós-redemocratização, em 1989, havia concentração de audiência no rádio e na TV aberta. O cenário mudou. A audiência fragmentou-se pelas redes sociais. Desde a última campanha presidencial, em 2014, as contas do WhatsApp e do Facebook aumentaram de 20 milhões e 61 milhões, respectivamente, para mais de 120 milhões em cada um, segundo informações do colunista Nilson Teixeira, no Valor Econômico.[3]
A tradição democrática brasileira ainda é frágil. Os grandes impasses de nossa história foram resolvidos em ações heterodoxas: o ato militar para a “proclamação” da República, em 1889; a revolução de 30 liderada por Getúlio Vargas contra as oligarquias políticas que comandavam o Palácio do Catete e o golpe militar de 1964.
A solução para o impasse atual não virá de um milagre, mas do processo eleitoral, o que fortalece o protagonismo do eleitor. Só que o eleitor médio não associa sua qualidade de vida com os políticos que elege, tampouco se responsabiliza pelo seu voto. E mostra-se desalentado e ressentido com os políticos e com a política, conforme mostrou a pesquisa Ibope Retratos da Sociedade Brasileira – Perspectivas para as Eleições de 2018, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada na terça-feira (13).[4]
De acordo com o Ibope, 44% dos brasileiros se dizem pessimistas em relação à eleição presidencial de 2018 – só 20% se dizem otimistas. Entre os pessimistas, os motivos mais citados em respostas espontâneas são a corrupção (30%), a falta de confiança no governo e candidatos (19%) e a falta de opção entre os pré-candidatos (16%). Chegou a 75% o porcentual dos brasileiros que afirmam não acreditar em promessas de campanha dos candidatos.
Sem confiança na democracia, nos políticos, despolitizados e desinformados pela guerra de propaganda política das fake news travestida de informação, esses eleitores são atraídos a escolher “um doido com uma 22” para comandar a Nação. Assim, o desafio da campanha de 2018 será o de arrastar esse eleitor médio para o debate de projetos políticos para o país, o que não será nada fácil, diante da proliferação das fake news, como se viu agora em relação à difamação da vereadora Marielle Franco,[5] da criação de verdadeiros exércitos de perfis falsos alimentados por robôs para manipulação eleitoral e da atual polarização política, que tendem a transformar esse debate em um ringue em que o feio será perder. Será possível reverter esse quadro na campanha? A conferir.
*Cileide Alves é jornalista e mestre em história, foi colunista política e editora-chefe do jornal O POPULAR. Atualmente é apresentadora na Rádio Sagres 730, em Goiânia.