Andrea Vianna
O presidente Lula sanciona nos próximos dias três leis que prometem conter o volume de recursos aos tribunais superiores e tornar a Justiça mais ágil. Discretamente, os senadores retomaram as discussões da reforma do Judiciário e aprovaram anteontem duas importantes alterações no Código de Processo Civil. A principal delas restringe as apelações às sentenças dos juízes de primeira instância em casos já consagrados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – com a instituição da chamada súmula impeditiva de recursos.
“Com mecanismos como a súmula impeditiva de apelações, por exemplo, vamos reduzir em 50% o tempo de tramitação de um processo. Esse é um objetivo factível”, prevê o juiz federal Flávio Dino, secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo criado pela reforma do Judiciário. “Hoje é muito simples e fácil recorrer. Vamos mudar isso. Com a reforma, vamos reduzir o número de processos novos e frear os recursos meramente protelatórios”, reforça o juiz.
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Outra mudança aprovada quarta-feira pelos senadores torna legítimo o uso de meios eletrônicos para dar mais agilidade e eficiência aos processos. Na semana passada, o Senado havia aprovado projeto de lei que autoriza o juiz a rejeitar, previamente, causas idênticas a outras sobre as quais já tenha proferido sentença semelhante.
“Até o final deste ano, quando forem divulgadas as estatísticas do Judiciário, vamos poder sentir o impacto do que chamamos de ‘fator dona Maria’, avalia o secretário da Reforma do Judiciário, o advogado paulista Pierpaolo Bottini. “É o efeito das mudanças implementadas pela reforma no dia-a-dia do cidadão comum. A viabilização de que a ‘dona Maria’ tenha real acesso à prestação jurisdicional”, brinca.
Reforma constitucional
PublicidadeA reforma do Judiciário foi discutida durante 14 anos no Congresso até resultar na Emenda Constitucional 45, promulgada em 8 de dezembro de 2004. A emenda trouxe várias alterações significativas. Criou a súmula vinculante e o Conselho Nacional da Justiça (CNJ); permitiu a federalização de crimes contra os direitos humanos; instituiu o Conselho Nacional do Ministério Público (o equivalente do CNJ para o Ministério Público); redefiniu direitos e deveres dos juízes, e acabou com as férias coletivas do Judiciário.
Mas, apesar de todos os avanços alcançados com a promulgação da Emenda 45, a reforma constitucional não tem como tornar os processos judiciais mais rápidos e eficientes sem que haja modificações nos Códigos de Processo Civil, Penal e Trabalhista.
A verdadeira reforma
“Sem a reforma processual, a do Judiciário não altera em nada o ritmo de andamento dos processos. São esses projetos que garantirão a celeridade e eficiência da prestação jurisdicional”, atesta a juíza Solange Salgado, presidente da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer), que representa juízes de 13 estados e do Distrito Federal.
O secretário da Reforma do Judiciário, órgão do Ministério da Justiça, não alimenta esperança de que os 21 projetos de leis restantes da reforma infraconstitucional sejam votados pelo Congresso ainda este ano. As expectativas agora se voltam para aqueles itens considerados de maior praticidade pelo governo, como o projeto que autoriza separações e partilhas em cartórios, e o que regulamenta a repercussão geral do recurso extraordinário. “A repercussão geral vai filtrar os recursos para o Supremo Tribunal Federal. Com isso, as brigas de vizinhos, por exemplo, vão parar de subir até a mais alta corte do país”, destaca Pierpaolo Bottini.
Menos apelações
Um passo nesse sentido foi dado com a aprovação da súmula impeditiva de recursos. A nova lei não vai impedir o juiz de primeiro grau de votar de maneira contrária ao entendimento já firmado pelo STF ou pelo STJ. No entanto, permite que o juiz negue prosseguimento à apelação toda vez que a sentença (decisão que põe fim ao processo) estiver em conformidade com matéria sumulada por um desses dois tribunais superiores.
“Com a súmula impeditiva, o juiz pode julgar de forma contrária aos tribunais superiores. Mas se julgar de forma idêntica, o recurso não sobe e o processo morre na primeira instância”, esclarece Bottini.
É importante ressaltar que a súmula impeditiva só será aplicada em matérias que tiverem sido sumuladas pelo Supremo ou pelo STJ. No caso do Supremo, por exemplo, uma súmula é editada quando o tribunal consolida o entendimento firmado por no mínimo oito dos seus 11 ministros para que a decisão tenha caráter imperativo em todo o país.
Energia elétrica
Uma possível aplicação da futura súmula impeditiva pode nascer no Superior Tribunal de Justiça, instância máxima para julgamento de matérias infraconstitucionais. Os consumidores de energia elétrica aguardam uma posição do tribunal, que pode editar uma súmula a respeito da suspensão do fornecimento de luz aos inadimplentes. “Centenas de milhares de recursos chegaram recentemente ao STJ para discutir essa mesma questão”, conta o juiz Flávio Dino. “Se o STJ sumular a matéria, o ato vai evitar a subida de milhares de recursos”.
O secretário da Reforma, Pierpaolo Bottini, adverte que a súmula impeditiva não elimina as chances de recurso. “O advogado pode oferecer uma reclamação ao tribunal editor da súmula, alegando que o assunto do processo não tem ligação com a súmula, ou então, entrar com mandado de segurança contra a decisão do juiz. As portas não estão fechadas, mas fica mais difícil recorrer”.
“As mudanças melhoram o sistema, mas não são suficientes”, atesta o advogado brasiliense Luiz Carlos Alcoforado, cujo escritório movimenta mais de duas mil causas em todo o país. Na avaliação dele, além da mudança nas regras, a Justiça só vai se tornar mais ágil com a melhora do material humano. “É preciso mudar a cultura de se prestar justiça neste país. Precisamos de juízes vigilantes, advogados éticos e de um Estado que cumpra as suas obrigações”, ressalta.