Na semana passada, tratei sobre ideologias fazerem as vezes de soluções mágicas que cegam a visão de muitos sobre a realidade objetiva. Como “pacotes fechados”, elas promovem modelos de pensar baseados em hipóteses reducionistas da complexidade do mundo.
Parece muito confortável ter um gabarito para confrontar cada situação e esse “algorítmo” produzir uma resposta fácil, pronta. O problema é que ideologias exigem em troca comportamentos que tendem ao maniqueísmo moral. Isso coloca quem quer que pense de forma diferente do lado errado da “fronteira”.
Levando em consideração essa limitação imposta internamente ao posicionamento do “outro”, só é realmente fiel a sua ideologia aquele que a defenda sob quaisquer circunstâncias, mesmo que fatos façam crer que que algo esteja errado. Geralmente, não são necessárias sequer situações limite, como as descritas por Hanna Arendt. A questão do aborto versus a da pena de morte é um bom exemplo.
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É possível vislumbrar as dificuldades políticas que a exacerbação dos posicionamentos ideológicos pode causar. A política é o espaço do consenso, da deliberação pactuada do uso de recursos e potencialidades de uma sociedade. A vida social imprescinde do diálogo para equilibrar interesses conflitantes.
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A premissa de que a constituição de um sistema democrático depende exclusivamente da vontade popular, sem considerar assimetrias informacionais, enclaves de poder e a influência de grupos privilegiados, definitivamente não se expressa na realidade brasileira.
Como dizia há algumas semanas, líderes populistas adoram o inimigo comum. Esforçam-se em identificar o que pode causar esse efeito irrefletido de repulsa entre seus seguidores. O que poderia estar mais a mão que uma boa e velha ideologia, apartando de modo irreconciliável aqueles que somente juntos poderiam construir as soluções necessárias?
Fingindo-se democratas mas nunca atuando democraticamente, populistas utilizam desse lastro ideológico para validar sua manutenção no centro da vida pública. A saudável sucessão em todas as esferas de poder perde espaço ante a esse apoio imenso e maciço, quase automático, travestido de reflexão sofisticada.
As ideologias têm, portanto, contribuído muito para conduzir esse simulacro, dando ares de democracia e erudição ao que é apenas preguiça e desonestidade intelectual, por parte de indivíduos, e desejos totalitários de pseudolíderes. Em regra, ecoa apenas o que se grita mais alto. O império da opinião acaba por suprimir o livre existir da verdade factual. Impressões substituem evidências no conjunto de valores.
Com tudo isso, não é de se estranhar o “descolamento” das possibilidades desse sistema, que a sociedade brasileira atualmente evidencia quando confrontada com a questão da representatividade das suas lideranças.
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Rudinei Marques, muito perspicaz, me alertou sobre possível engano no artigo da semana passada. Falando de Platão, lhe pareceu que afirmava que as sombras que tomavam o lugar dos objetos, como no mito da caverna, eram as ideias, ficando a realidade como o que permanecia escondido. Minha metáfora à analogia platônica é que a realidade é aquilo que não é possível reconhecer, invisível sob o manto das ideologias.
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Esses são dias de torcer pelo país. É possível haver paz. Só precisamos dos motivos certos. Vai, Brasil!
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