Terminado um ano que valeu por vários, sem descanso forças políticas já se organizam para a disputa que se avizinha. Posicionamentos antecipados demonstram a emergência do momento, que se desdobra em dois grandes movimentos: a política tradicional tenta convulsivamente reunir as energias dissipadas pelos efeitos da Lava Jato e uma nova liderança quase invisível se estrutura, ainda totalmente desconhecida do país.
Tradicionalmente, os acordos necessários à governabilidade incluem favores, conchavos, muito dinheiro público e a consequente perda do caráter republicano do Estado. Se o cidadão comum dá mostras de não tolerar mais isso, negar a política parece itinerário necessário à conquista do poder. Esse “purismo” retórico implica radicalização dos discursos.
A máxima parece ser “não se suje, nunca converse com os de lá, não faça política”. Mesmo os políticos de sempre se apresentam como o novo, a aparição virginal que agora nos redimirá. Ao mistificar suas imagens e priorizar a preservação da espécie, condenam a política como meio de construção da vida social. Não é ela, em si, a culpada, mas o uso que dela fazem.
Esse acirramento de posições nos impõe desafio nacional: resistir aos extremismos que ganham apoio e simpatia apaixonados, mas são meras expressões irrefletidas de rejeição ao “outro lado”. Não é prudente combatê-los na mesma medida, como se a resultante representasse alguma posição mais ponderada do conjunto da sociedade ou uma média dessas forças. Isso não tem ocorrido sequer nas democracias parlamentaristas europeias.
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Por aqui, cada pessoa que se deixar contaminar pelo discurso de aversão ao outro e escolher um polo da disputa para “lutar”, apenas despertará reação equivalente de signo invertido no espectro ideológico e reforçará a polarização.
Há, no entanto, milhões de brasileiras e brasileiros ávidos por uma alternativa consistente, de diálogo e cooperação para a superação das nossas mazelas. Eles não querem se deixar levar por radicalismos obscuros que não dizem o que planejam fazer mas o que pretendem destruir. Querem participar do processo, não querem mais ser espectadores da vida social. As manifestações dos últimos anos comprovam.
É papel, portanto, dessa nova liderança que se forma mostrar caminhos possíveis. Está mais que madura a oportunidade histórica de construirmos solidariamente um ambiente democrático que promova a produção de riquezas, com liberdade, inclusão social e respeito à cultura e ao meio ambiente. Por que não avançamos?
O embate no campo da educação talvez explique nosso método para o frequente fracasso. Jogamos milhares de pequenos cérebros fora todos os anos ao defendermos cegamente e de forma intolerante pontos de vista absolutamente não excludentes. Não tem havido espaço nesse debate para a produção de políticas de libertação da inteligência brasileira, aprisionada anos a fio por um sistema educacional que reproduz preconceitos da esquerda e da direita.
Formação do senso crítico, assimilação da produção cultural simbólica e preparo técnico da força de trabalho não são incompatíveis, mas complementares. O despertar do pensar depende mais de um ambiente livre de intolerâncias que de outras condições, mormente materiais. Países mais pobres conseguiram realizar suas transformações educacionais e culturais ao mesmo tempo e em duas ou três gerações. O principal motor dessas mudanças? Um projeto central mínimo que atraísse suficiente apoio político ou simplesmente a ausência de falsas incompatibilidades paralisantes.
Enquanto a tecitura social se esgarça flagrantemente, intensificada pela falta de de arrefecimento das tensões por um parlamento que enfrenta a maior crise de representação da sua história, o nível do debate político cai a profundezas abissais. Nessa atmosfera, não há motivos para duvidar do evangelho: ninguém pode servir a dois senhores. O discurso do antagonismo maniqueísta, folhetinesco, fortalece aparentes dicotomias e consolida, mesmo que efemeramente, um poder político baseado em oportunismos.
Todos os que ao longo do tempo se beneficiam desse expediente sabem muito bem disso e, sem pudor algum, trocam a qualificação do debate e a formação política do brasileiro por esse atalho para o poder. Há sempre uma boa dose de patifaria por trás de qualquer discurso de salvação da pátria.
Historicamente, a radicalização na política não promoveu coesão social nem fortaleceu a democracia em qualquer parte. Serviu para inibir as possibilidades de um debate franco, mesmo que diverso e difícil. A escalada desse processo, aliada a elementos contextuais de crise e desconfiança mútua, pode levar à guerra – nem sempre metafórica. Enquanto flertamos com o imponderável, o que está em jogo não é apenas a perda do diálogo social, mas a nossa consolidação democrática.
Certamente, construir pontes é muito mais difícil. No entanto, a produção de consensos é a missão primordial da verdadeira política. Somente com a participação qualificada da população, sem prerrogativas nem privilégios, será possível construir de fato um regime democrático estável, que garanta liberdade e direitos para todos.
Ninguém nega o papel histórico das ideologias, mas está na hora de ir além dos esquemas limitantes do nosso pensar. Podemos aplicar nossas energias para saber que nação queremos ser e usar a experiência dos últimos anos para compreender se o que aprendemos nos levará adiante ou nos condicionará a esse embate estéril. Sairemos mais fortes – todos nós – dessa crise civilizatória?
A disputa começou. É hora de pensar em escolhas. Feliz 2018! Ele já chegou.