Cláudio Versiani, de Nova York*
Cindy Sheehan é a mãe de Casey Austin Sheehan. Casey é um dos 1835 soldados americanos que morreram na guerra do Iraque. Ele era um mecânico de veículos e não, propriamente, um combatente. Mas, como as bombas não escolhem suas vítimas, Casey foi morto por uma delas no dia 4 de abril de 2004, na cidade de Sadr.
Cindy Sheehan é a mulher que está acampada em frente – a 8 km, foi o que a segurança permitiu – ao rancho do presidente George W. Bush, com quem exige se encontrar. Diz que só sai de lá depois que ele responder a uma única questão: “Por que meu filho morreu?”. E, o que ela quer saber, Bush não pode, não tem como responder. A mulher está estragando as férias presidenciais. Publicidade
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Cindy virou celebridade nacional, ganhou as páginas e telas da mídia e a atenção da chamada blogsfera. É admirada por uns e odiada por outros, visto que o país está dividido, e dividido continuará. A guerra do Iraque só traz notícia ruim, a cada dia são mais americanos mortos. Iraquianos morrem também, em número bem superior, 25.000 ou, quem sabe, muito mais, mas não comovem tanto quanto os filhos da Pátria – é óbvio.
Na primeira semana de agosto, o número de vítimas aumentou: foram mais de 20 soldados, sem contar o primeiro jornalista americano assassinado em terras iraquianas. Na semana que passou, foram mais cinco mortos. Isso explica os 34% de aprovação dos americanos à guerra. Outros 61% estão do outro lado, tornando o país um pouco menos dividido.
PublicidadeBush e sua turma andam nervosos. Na avaliação geral de seu governo, ele está com 42% de aprovação, o índice mais baixo dos dois mandatos. Os americanos estão caindo na real, demoraram, mas estão chegando lá. As últimas pesquisas mostram que os que condenam a guerra formam o maior grupo. Os que acham que a guerra é justa e que vale a pena estão perdendo contingente.
Nem em Ohio, estado que decidiu a eleição a seu favor, Bush tem vida tranqüila. Na cidade de “Brook Park”, terra dos 14 marines que morreram no Iraque em 3 de agosto, o presidente não apareceu. Essa é uma das queixas das famílias dos mortos. George Bush não vai aos enterros dos soldados. Funeral na América é um acontecimento, dura pelo menos dois dias. E funeral de herói morto é a oportunidade para se reverenciar a vida de quem morreu pela Pátria.
São muitos funerais, o presidente não pode comparecer a todos, é a desculpa. Assim como são muitas as cartas de condolências enviadas pelo secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, para a família dos soldados mortos. As cartas passaram a ter a assinatura impressa. Um desrespeito e uma gafe. Rumsfeld voltou atrás e voltou a assinar as cartas de próprio punho, mas o estrago já estava feito.
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Num país que tem um orçamento militar de US$ 447 bilhões e a indústria bélica é a mais poderosa de todas, não é de se estranhar que se viva em guerra. É uma necessidade. Faz parte da história americana. E parece que eles não aprendem. O Iraque vai de mal a pior. A coisa anda tão feia que até Bin Laden estaria planejando se mudar para lá, segundo notícias ou boatos que andam circulando na internet. Só pode ser questão de segurança pessoal. No Iraque ele vai estar em casa. George Bush conseguiu criar um “paraíso” para os terroristas.
Esse é um dos pensamentos de Cindy Sheehan. Ela tem dado entrevistas e usado a internet para bater duro no presidente Bush, no vice Dick Cheney e em Rumsfeld. Também sobra para os congressistas que apoiaram e permitiram a guerra. Ela afirma que George W. Bush é o responsável pela morte de seu filho Casey. Bush traiu o povo americano e continua traindo, uma situação vergonhosa, segundo Cindy.
Numa carta veiculada na internet em abril de 2005, Cindy Sheehan dispara sua ira contra o presidente e o seu vice. O título da carta é “Caros George e Dick”. Numa tradução livre ela diz: “Para mim, vocês significam dor e devastação (…) Ambos são covardes (…) Mandam nossos bravos garotos para morrerem no Iraque, para vocês e seus amigos tornarem-se mais ricos (…) Vocês nunca serão o meu presidente ou vice-presidente”.
Continua ela: “A política de vocês é descuidada e irresponsável (…) A morte de meu filho é conseqüência de suas mentiras e traições. Ele é um dos milhares que sua política arrogante e imperialista matou. Não sei como podem dormir (…) Se acreditam realmente em liberdade no Iraque, então mandem seus próprios filhos para lutar e talvez morrer, sem o adequado treinamento, equipamento, comida, blindagem e proteção (…) Como vocês podem se olhar no espelho? Como vivem com o fato de que tantos inocentes morreram por causa de suas crenças e ações? Pareço furiosa? Podem apostar que sim. O futuro de meu filho foi roubado. O meu futuro com ele já não existe. E eu nem disse adeus para ele”. Ela encerra a carta com um singelo “peace” (paz, em bom português).
Não é todo mundo que tem a coragem de falar assim com o comandante em chefe das Forças Armadas da maior potência do planeta, ainda que indiretamente, por meio de uma carta pública. Mas Cindy Sheehan foi além. Dois meses após a morte de seu filho, ela teve um encontro cara a cara com o presidente. Ela e outros pais e mães de soldados mortos no Iraque. Conta que Bush não sabia o nome de seu filho e muito menos o dela, a quem se referiu como “mom” (mãe, em português). O presidente disse: “Mãe, eu não consigo imaginar a dor que você está sofrendo”. Ela retrucou: “Eu acho que o senhor pode imaginar um pouquinho. O senhor tem filhas. Como se sentiria se uma delas morresse?“.
Se Bush respondeu, ela não disse. E agora ela quer perguntar ao presidente: “Por que meu filho morreu?” É a pergunta que Bush não tem como responder, nem a ela, nem às outras 1834 mães. Cindy Sheehan só sairá da porta do rancho de George W. Bush depois que ele a receber ou se a tirarem de lá. Ela corre o risco de ser presa e declarada ameaça à segurança nacional. O que de fato pode acontecer. Ela é verdadeiramente uma ameaça, mas ameaça ao governo, cada vez mais questionado, de Bush. O exemplo de Cindy Sheehan está se alastrando pelo país via internet. Ela se tornou o símbolo da resistência anti-guerra.
O presidente Bush finalmente comentou o protesto. Na quinta-feira, ele disse que simpatiza com Cindy Sheehan e que ela tem todo o direito de dizer o que pensa. Isto é a América, completou Bush. Mas para Cindy, as palavras do presidente não foram suficientes. “Eu não quero a simpatia, nem a compaixão dele, porque eu sei que não são verdadeiras. O que eu quero e que ele responda as minhas perguntas."
George Bush deveria ter aprendido a lição. Não se brinca com mãe e muito menos com uma mãe de um soldado morto numa guerra mentirosa. É a guerra da mentira, mas as mortes são de verdade.
* Jornalista há 27 anos, foi editor de Fotografia do Correio Braziliense e repórter de Veja, Istoé e O Globo. Seu trabalho como fotógrafo já lhe rendeu vários prêmios nacionais e internacionais, como o Líbero Badaró, o Nikon Awards e o Abril de fotojornalismo.