Pedro Paulo Rezende *
Especial para o Congresso em Foco
O Alto Comando do Exército vai garantir a ordem institucional e não permitirá qualquer aventura promovida por inconformismo ideológico de candidato, seja qual for o resultado das eleições. Segundo um oficial que integra o colegiado, há um compromisso moral dos integrantes do organismo com o comandante da força terrestre, o general de exército Eduardo Villas Bôas. É um pacto que está acima da preferência política individual dos oficiais superiores, forjado pelo respeito a alguém que colocou como missão final de vida assegurar a transição da Presidência da República a um eleito dentro da normalidade constitucional.
Villas Bôas sofre de uma doença degenerativa motora grave. Os sintomas assemelham-se aos da esclerose lateral amiotrófica (ELA), ou “doença de Lou Gehrig”. A síndrome desencadeia um processo de paralisia progressiva, que repercute na respiração, na fala e na deglutição, mas mantêm inalteradas as condições mentais do paciente.
O Alto Comando do Exército concentra os 16 oficiais de posto mais alto na organização (incluindo o comandante), o de general de exército, mais popularmente conhecido como general de quatro estrelas. Cabe a eles assessorar o comandante, estabelecer as políticas e resolver os temas comuns da força terrestre.
Leia também
No último mês, todos os candidatos a presidente foram convidados a visitar os comandos militares. A rotina dos encontros abrangia uma exposição dos programas de cada força (incluindo também a Marinha e a Aeronáutica). No caso específico do Exército, era sempre reiterada a garantia de que o resultado das urnas será respeitado. Para o general Villas Bôas, a doença exigia um esforço extra para participar dessas reuniões.
PublicidadeHoje, as condições de saúde do comandante do Exército são tão graves que começaram a afetar os seus despachos com os oficiais do Alto Comando, que para poupá-lo passaram a tomar algumas decisões sem consultá-lo nos assuntos mais rotineiros. Quando há necessidade de sua presença em solenidade ou para receber alguma autoridade estrangeira ou nacional, a medicação é reforçada para suportar o sacrifício extra.
Democracia sob tutela militar
Os militares ganharam força no atual governo e não há qualquer exagero na afirmação de que as Forças Armadas hoje tutelam a frágil democracia brasileira. Vários fatores contribuíram para esse processo, que também colocou o comandante do Exército no papel de fiador da continuidade de Michel Temer na Presidência da República.
[newsletter-pack newsletter=”345554″ style=”default” si_style=”default” show_title=”0″ heading_style=”default”][/newsletter-pack]
O primeiro deles veio do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, manteve contato estreito com o comandante do Exército até a cassação da chefe de Estado e a condução definitiva de Temer para o Palácio do Planalto. O objetivo era impedir confrontos entre os partidários contra e a favor do governo.
Depois, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou a abertura de dois inquéritos contra o presidente recém-efetivado. Embasou seus pedidos a partir de gravações feitas com consentimento do Ministério Público, por Joesley Batista, executivo da JBS, em uma visita fora da agenda, no meio da noite, ao Palácio do Jaburu. Um assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures, ainda foi preso em flagrante com R$ 480 mil em notas marcadas entregues por Batista.
Temer distribuiu benesses no Congresso e escapou. A Câmara negou autorização para que ele fosse investigado, o que o obrigaria a deixar o cargo, alegando que ele responderá pelos seus atos criminalmente após deixar o Planalto. Durante toda a polêmica sobre o assunto, Temer contou com as bênçãos de Villas Bôas. A razão era simples: para os militares, era melhor ter um governo fraco do que governo nenhum.
Até junho deste ano, o general Villas Bôas manteve uma rotina semanal: compartilhar e analisar os dados obtidos pela inteligência da força sobre a conjuntura institucional com a cúpula do Exército em Brasília e, por meio de teleconferência, com os comandantes de área. O objetivo desses encontros era avaliar os fatos na perspectiva do papel constitucional das Forças Armadas, que inclui “a defesa da pátria” e a “garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem”.
[better-ads type=”banner” banner=”347545″ campaign=”none” count=”2″ columns=”1″ orderby=”rand” order=”ASC” align=”center” show-caption=”1″][/better-ads]
Nessas reuniões forjou-se o consenso – e aí está o “pacto” – de que uma ação de intervenção militar só se justificaria em um quadro de completa falência das instituições nacionais. A informação de que tal possibilidade chegara a ser cogitada pelo Exército nacional era um segredo que veio a público em 15 de setembro do ano passado, em uma conferência do secretário de Economia e Finanças, general de exército Antonio Hamilton Martins Mourão, na Loja Maçônica Grande Oriente de Brasília.
A quebra do pacto de silêncio foi o primeiro sinal de dissenso na força. Mourão passou para a reserva em fevereiro, depois de perder o comando militar do Sul e passar um tempo em um cargo importante, mas burocrático. Hoje, ocupa o posto de vice na chapa do candidato do Partido Social Liberal (PSL), o deputado Jair Messias Bolsonaro.
Apoio envergonhado
Dentro do Alto Comando, Bolsonaro é considerado um “mal menor”, mas enfrenta certas restrições. Os generais de exército não perdoam seus pecados de juventude. Por outro lado, alguns temem que um eventual governo do Partido dos Trabalhadores (PT) leve à radicalização da esquerda.
— Não vamos deixar que o país se transforme em uma Venezuela — disse um integrante do colegiado ao Congresso em Foco.
Os quatro-estrelas não esquecem que, quando estava na ativa, Bolsonaro planejou explodir bombas em quartéis da Vila Militar do Rio de Janeiro e destruir a Adutora do Guandu para protestar contra os baixos salários dos militares. Condenado em 1987 a 15 dias de cadeia pelo Conselho de Justificação (primeira instância da Justiça militar) e expulso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, ele pediu passagem para a reserva e iniciou sua carreira política.
O general Leônidas Pires Gonçalves, que chefiava o Ministério do Exército, enviou o processo para o Superior Tribunal Militar (STM) solicitando o agravamento da pena por indisciplina e deslealdade. Ele queria expulsar e cassar a patente de capitão de Bolsonaro. Em 1988, o pedido foi negado, por falta de provas, por 9 a 4 votos. Os ministros seguiram o parecer do relator, general de Exército Sérgio Ary Pires, que considerou a punição aplicada pelo Conselho de Justificação correta.
Ary Pires era desafeto de Leônidas e se empenhou em minimizar as acusações. Em depoimento ao Centro de Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, o tenente-brigadeiro Cherubim Rosa Filho, que participou do julgamento, confirma a punição por indisciplina dada pela primeira instância.
Contra esse passado transgressor do candidato do PSL, porém, os generais contrapõem a questão da corrupção nos governos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, revelada pelo escândalo do mensalão e pela Operação Lava Jato. O atentado contra Bolsonaro em Juiz de Fora, no dia 6 de setembro, acirrou ainda mais a rejeição ao PT e à esquerda em geral. Em resposta, Villas Bôas convocou uma reunião do Alto Comando, que deixou claro o repúdio da força terrestre ao ato.
A partir daí militares da reserva que integram a campanha de Bolsonaro, como o general Augusto Heleno, que tem bom conceito entre os ex-colegas de farda, começaram a se aproximar do colegiado. Apesar disso, a cúpula manteve o pacto de silêncio em respeito ao comandante do Exército. O general de Exército Geraldo Antônio Miotto, comandante militar do Sul (CMS), é um dos principais defensores dessa atitude de ponderação, e aos poucos, sua ascendência se torna mais forte entre os colegas, principalmente diante da ausência, cada vez maior, do comandante da força.
Villas Bôas, o El Cid
Um oficial do Alto Comando comparou a obstinação de Villas Bôas à do mítico herói espanhol El Cid Campeador, alcunha de Rodrigo Diaz de Vivar, herói da reconquista espanhola. Ele se tornou um símbolo do guerreiro cristão na luta contra os mouros.
[better-ads type=”banner” banner=”345191″ campaign=”none” count=”2″ columns=”1″ orderby=”rand” order=”ASC” align=”center” show-caption=”1″][/better-ads]
Conta a lenda que, ferido de morte, El Cid manifestou seu desejo de continuar combatendo. Sua mulher, a princesa Ximena Díaz, vestiu o corpo do marido com sua melhor armadura, colocou-o sobre o cavalo para que, mesmo depois de morto, ele comandasse suas forças contra os inimigos da cristandade. A realidade foi bem menos romântica. Ele morreu em 1099, de causas naturais, e logo em seguida os mouros retomaram o Principado de Valência que El Cid conquistara e governou.
Neste ponto, Villas Bôas ultrapassou o famoso herói. Semiparalisado, ele continua como fiador da ordem institucional e não há quem o substitua, dado o imenso prestígio do comandante nas tropas do Exército. Elas veem com maus olhos os generais que deixam comandos militares e seguem para a Esplanada dos Ministérios.
Enquadram-se nessa categoria o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen; o ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna (visto como um subordinado do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann); e o assessor da presidência do Supremo, Fernando Azevedo e Silva, escolhido pelo ministro Dias Toffoli para ser a interface entre os militares e o Judiciário.
* Pedro Paulo Rezende, um dos jornalistas brasileiros com maior experiência na cobertura da área militar, já trabalhou nos jornais O Globo e Correio Braziliense e foi o correspondente brasileiro da mais importante publicação jornalística do setor, a Jane’s Defence Weekly. É colaborador dos sites DefesaNet e Congresso em Foco.
Por que os militares querem ver o PT pelas costas
Documento atesta que matar era política de Estado durante a ditadura militar