Vivemos em tempo de pós-verdade, no qual o apelo às emoções e às crenças, em detrimento da razão e da objetividade, de um lado, e também o uso de novas tecnologias na disseminação de informações em tempo real, via redes sociais, de outro, tem levado à manipulação de dados e informações. São fenômenos que dificultam a tomada de decisão e exigem muita reflexão e cuidado no consumo de notícias e informações, especialmente as difundidas por redes sociais.
A era da pós-verdade é uma realidade na qual, em lugar de se valorizar a reflexão sobre ideias, fatos, acontecimentos, argumentos e sobre a própria verdade, prioriza-se a manipulação dos instintos mais primitivos do ser humano, com discussões de aparente coerência e formulações que forçam ou provocam reações e comportamentos emocionais e/ou irados, em geral voltados para a desqualificação dos interlocutores que defendem pautas, programas ou doutrinas que contrariem os interesses do establishment.
As redes sociais, por sua vez, graças ao desenvolvimento científico e tecnológico, democratizaram a transmissão em tempo real de fatos, notícias ou acontecimentos, mas sem filtros nem meios de punir a veiculação de notícias falsas, mentirosas, difamatórias ou até criminosas.
Leia também
As redes sociais são, de um lado, importantes ferramentas de inclusão digital e social, que ampliam a democracia, aproximam e dão voz às pessoas, possibilitando a troca de experiência, e, de outro, instrumentos eficazes e ágeis de que se valem criminosos, mercenários, ressentidos, vaidosos e alienados para inventar situações ou reproduzir “notícias” falsas ou não checadas e espalhar a discórdia, seja em defesa de interesses políticos/ideológicos ou em troca de vantagens materiais, seja para serem aceitos em certos grupos ou para serem os primeiros a dizer algo.
Existem até sites que se prestam ao serviço de construir ou organizar conteúdo ideológico e político “pós-verdadeiro” para o público brasileiro, mediante remuneração pela quantidade de acessos, com o objetivo de disseminar informações falsas, não-checadas ou boatos pela internet. As visualizações e curtidas alimentam o bolso ou o ego de muitos. Podem até programar o algoritmo para que tais “notícias” circulem preferencialmente nos “grupos” ou “comunidades” com maior afinidade.
Como regra não são portais da mídia comercial nem da mídia alternativa com corpo editorial transparente e jornalistas contratados, que se responsabilizam pela integridade do que produzem e assinam, mas sites registrados no exterior que veiculam “notícias” – boatos, calúnias e difamações – sem autoria e sempre carregadas de opinião e de ódio, que são divulgadas em Facebook e disseminadas por WhatsApp e Twitter, entre outras redes sociais.
PublicidadeA inexistência de punição ou de qualquer filtro (político, ético, moral, etc) na disseminação de informações por qualquer meio de comunicação coletivo, inclusive as redes socais, criou o campo fértil para os multiplicadores de falsas notícias, que têm o poder de despertar reações iradas ou de ódio entre as pessoas com visões distintas de mundo, desinformando e deseducando politicamente o povo.
O escritor e filósofo italiano Umberto Eco, numa espécie de desabafo em relação ao processo de alienação política advindo dessa nova realidade, chegou a chamar de “legião de imbecis” aqueles que espalham notícias falsas, chamando atenção para o fato de que antes da internet eles falavam apenas “em bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”, e que agora são reputados como “agentes da verdade”, repassando sem qualquer filtro notícias e informações destinadas a espalhar o ódio e a discórdia entre as pessoas.
Esse novo processo de interação (acesso e difusão de notícias) nas redes sociais atrai todo tipo de gente, como já mencionado, com níveis diferenciados de informação, formação, conhecimento, índole, caráter e de interesses, formando verdadeiras legiões de alienados e de massas de manobra. E esse instrumento de veiculação não é neutro, como aparenta ser, por isso mesmo devemos ter todo cuidado quando recebemos essas notícias e informações por esses meios.
Todo esse processo, embora venha se dando sob uma lógica “moralista-justiceira”, tem como objetivo central o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento do mercado. É um movimento em favor do capital e em detrimento do trabalho. Não é à toa – segundo levantamento feito pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP), com base em critério de um grupo de estudo da Universidade de São Paulo (USP) – que o Movimento Brasil Livre (MBL) é um dos principais disseminadores desse tipo de “notícias” da “pós-verdade”.
A estratégia de fortalecimento do mercado em detrimento do Estado passa pela desqualificação da política, das instituições públicas e dos agentes políticos, que detêm o poder de polícia, de legislar e de tributar.
A intenção é, desacreditando a política e as instituições públicas, afastar o povo do processo de escolha dessas autoridades e transferir aos prepostos do capital, travestidos de “gestores” ou “não-políticos”, o orçamento público e o poder de regular a relação entre as pessoas e entre estas e as instituições, possibilitando a completa apropriação da agenda do governo pelo mercado.
Por tudo isso é que se deve, como regra, antes de repassar informação ou notícia recebida via rede social, checar as fontes e verificar os interesses que estão por trás de cada post, especialmente neste ambiente de disputa política e ideológica, no qual há muita manipulação e pouco cuidado em separar a mentira da verdade. E o melhor remédio para enfrentar essa nova realidade é a educação e a formação política e cívica, para que o cidadão saiba compreender não apenas os conteúdos, mas também os interesses que eles representam.