A última pesquisa Datafolha sobre a corrida presidencial, publicada em 31 de janeiro, pode ser lida como um convite à reflexão sobre que tipo de disputa eleitoral nós queremos e podemos ajudar a construir. A pesquisa foi publicada logo após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a doze anos e um mês de prisão, por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
Primeiro, o trabalho do Datafolha reafirma a liderança absoluta do líder histórico do PT sobre todos os outros pré-candidatos, mostrando que, ao menos até aquele momento, a decisão judicial havia surtido pouco efeito sobre a psique do eleitorado mais fiel. Em segundo lugar, escancara o “fator Bolsonaro”, um dado que muitos dos formadores de opinião do Brasil optaram por ignorar nos últimos meses.
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Jair Bolsonaro (PSC) já estava desacreditado em seu posto de patrono da ética diante de revelações de práticas de nepotismo em seu gabinete, e da publicação pela imprensa de reportagens que atestavam a mediocridade de sua atuação parlamentar.
Foi quando a pesquisa apontou: “Sem Lula, Bolsonaro lidera e 4 disputam o segundo lugar. Como disse muito bem o cientista político Leonardo Barreto em análise divulgada dias depois, “é preciso levar Bolsonaro a sério”.
Em terceiro lugar, a pesquisa mostra uma pulverização de votos entre Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e possíveis candidaturas em discussão – entre elas, as daqueles que vêm sendo chamados pela imprensa de outsiders, pessoas de fora do quadro político tradicional.
O mais provável até o momento, portanto, é que tenhamos uma disputa eleitoral polarizada e sub judice, centrada no debate entre um candidato de centro-esquerda na liderança, mas sob o risco de impugnação, e um candidato ultradireitista que, no confronto com o primeiro, ganha força. É o que me preocupa.
Para Leonardo Barreto, apesar da fragilidade inicial de sua pré-candidatura, o risco Bolsonaro está associado à força do discurso de defesa do “cidadão de bem”, em seu direito de proteger sua família, sob o eleitorado de menor nível educacional. Essa parte da população é diretamente impactada pela ineficiência do Estado em ações de combate à violência, e se ressente especialmente ao ser diariamente informada por novas denúncias de corrupção.
A meu ver, o risco Bolsonaro cresce diante da manutenção da questionável candidatura de Lula. Num cenário de polarização, os discursos de ódio anti-petista alimentariam a fúria dos eleitores do deputado pró-ditadura. Assim, essa disputa eleitoral se converteria num show de horrores, em que os totalitarismos enfraqueceriam o debate das propostas que podem, de fato, representar uma mudança de rumos para o país.
Haveria poucas chances para a discussão dos projetos de políticas públicas que o Brasil precisa nesse momento chave. Temos pautas urgentes nas áreas de saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, desenvolvimento. Precisamos discutir a gestão das contas públicas, as prioridades. Queremos ter o direito de escolher as melhores alternativas.
Existe, sim, espaço para essas alternativas. Muita coisa ainda vai mudar. Mas que tipo de alternativa nós queremos? Dois eventos, curiosamente ocorridos na mesma terça-feira (6) da última semana, apontam para duas direções possíveis.
No primeiro, o ex-presidente da República e atual presidente em exercício do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, manifestou simpatia por uma eventual candidatura do apresentador de TV e membro dos movimentos cívicos Agora! e Renova BR Luciano Huck.
Para FHC, em entrevista à Rádio Jovem Pan, uma eventual candidatura de Huck seria positiva para “arejar” e “colocar em perigo” a política tradicional.
O segundo evento foi o lançamento da pré-candidatura ao Planalto do senador e também ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTC), em discurso no plenário do Senado Federal. Na ocasião, Collor – o primeiro presidente brasileiro eleito após a Constituição de 1988 e o primeiro a ser retirado do cargo por corrupção, depois de um magnífico levante popular – disse possuir “a experiência, a coragem, o equilíbrio e a maturidade” para comandar o país.
Ainda acredito, ou espero, que a candidatura de Jair Bolsonaro não tenha força para sustentar uma disputa pela Presidência da República. Mas não é só isso. O que quero ver nessas eleições é a disputa qualificada entre projetos de gestão do Brasil, entre candidatos que, no seu cotidiano profissional, lidam com aquelas que devem ser as prioridades das políticas públicas de qualquer governo. Que digam como vão fazer. E que não pareçam viciados em poder, a ponto de perderem até a noção da realidade.
Todo processo de amadurecimento envolve correr riscos. É isso ou apostar nas repetições e adiar para 2022 as mudanças que queremos para o Brasil agora.
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