Os poucos analistas que previram a vitória de Donald Trump na disputa pela Casa Branca, entre eles o historiador Allan Lichtman, da American University, foram alvo de gozação e descrédito. Afinal, era a mais improvável hipótese. O respeitado Los Angeles Times, único jornalão norte-americano a bancar a vitória do topetudo, recebeu ataque de todo lado. Deu no que deu.
Não sou famoso nem atuo na área das previsões político-eleitorais. Mas, há pelo menos um ano, venho acompanhando a evolução das pesquisas de intenção de votos com vistas à disputa de 2018 aqui no Brasil. E considero, sim, a possibilidade que muitos ainda consideram remota, de uma eventual vitória da ultra-direita representada por Jair Bolsonaro. As razões que justificam a possibilidade resultam exclusivamente da análise fria e serena da evolução do quadro de possibilidades para 2018, em meio ao vendaval turbinado a lava-jato que revolve certezas, esmigalha candidaturas aparentemente consolidadas e joga para o alto as previsões dos mais respeitados analistas.
Não se assuste, mas preste atenção
1) Se consideradas as pesquisas, de um ano para cá, observa-se uma preocupante consistência na evolução positiva das intenções de votos em Bolsonaro. Ele entrou na disputa sem dizer que já estava na estrada. Era visto apenas como possibilidade remota – até folclórica, dizia-se. Hoje, a um ano do pleito de 2018, já ocupa o segundo lugar, depois de Lula, que mantém o apoio histórico de um terço do eleitorado a partir do qual o PT sempre decolou nas disputas ao Planalto. Bolsonaro não cresce aos saltos, no sobe-e-desce. Seu crescimento é constante e pequeno, mas consistente. Isso é o que mais preocupa. E pouca gente repara. Qualquer projeção, a partir dos números atuais, o coloca facilmente na reta final em 18, seja protagonizando um eventual segundo turno, seja funcionando como fiel da balança. Assusta da mesma forma.
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2) Num ambiente de denúncias generalizadas que atingem a mais alta cúpula que dirige o país e o alto comando de praticamente todas as legendas, Bolsonaro desfila soberbo. Seu nome não comparece ao elenco das delações que estremecem o piso do Congresso Nacional e estilhaçam as vidraças dos coronéis da República. Sim, ele apareceu na Lista de Furnas, recebendo 50 mil reais de doação via caixa dois, que abasteceu 156 campanhas em 2000. Uma denúncia é grave. Mas, para a opinião pública, é trocado que se guarda no porta-luvas pra dar a gorjeta do guardador de carros. O povão não entende como um ato desonesto, embora seja. Nem se lembra disso, basta perguntar ao colega ao lado: Bolsonaro está na Operação Lava Jato? A resposta será um sonoro “não”.
O perigo do discurso direto
Publicidade3) Bolsonaro tem um discurso direto e claro, feito de frases prontas, tipo “bandido bom é bandido morto”. Nem sei se já disse isso, só estou usando como exemplo. Esse tipo de afirmação tem formato publicitário, ou seja, é uma frase de absorção imediata. Gruda na cabeça. É facilmente reprodutível no ambiente de trabalho, no boteco, no intervalo da aula. Em sentido contrário, para desmenti-la, o argumentador precisa gastar rios de retórica e uma infinidade de tempo, correndo ainda o risco de não conseguir redarguir de forma eficiente. Raramente terá sucesso.
4) Correndo livre pela extrema-direita, Bolsonaro tende a receber, como já vem recebendo, o apoio de todas as variáveis dentro do espectro direitista. E aí se aglutinam os evangélicos radicais, que defendem posições ultraconservadoras como a homofobia e a misoginia. De mistura com os grupos mais endinheirados que se unem na chamada bancada bancário/empresarial/ruralista, para quem dinheiro não é problema. Até o momento, Bolsonaro corre livre e só. Nem precisa olhar para o lado. Não tem concorrente.
Uso profissional das redes sociais
5) Poucos candidatos – sim, vamos usar o termo, embora a campanha ainda não esteja oficialmente na rua – usam com tanta competência as redes sociais como Bolsonaro. Ele conta com uma equipe que atua tanto na produção quanto na veiculação do material pelas mais diversas plataformas, do WhatsApp ao Facebook, do Instagram ao Twitter. Como são mensagens curtas e eficazes, com apelo à indignação e alicerçadas na linguagem humorística, têm trânsito livre nas redes sociais. São daquelas que o receptor assiste e imediatamente compartilha. Por isso viralizam com facilidade. E chegam onde precisam chegar.
6) E chegam, sim, em todos os públicos, mas, principalmente… no público jovem! Uma olhada mais cuidadosa nas pesquisas permite perceber que, há muito tempo, Bolsonaro não cresce apenas no eleitorado maduro, em que historicamente a direita se abriga. Vem crescendo consistentemente junto ao eleitorado jovem, o mais suscetível à linguagem rápida e direta de seu discurso. É assustador.
Consideradas as condições elencadas acima, e a histórica oscilação entre os extremos ao longo da história, dá pra se preocupar. Toda vez que a extrema-esquerda ocupa o poder durante algum tempo, a tendência é, na reviravolta, a extrema-direita subir ao pódio.
É ou não é pra ligar o desconfiômetro?
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