Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos ganhou fama após o primeiro debate entre presidenciáveis. Por fazer menções a Deus e à Bíblia e denunciar a existência da Ursal (a fictícia União das Repúblicas Socialistas da América Latina), o até então desconhecido bombeiro militar e deputado federal foi batizado por Ciro Gomes (PDT) como um dos “custos” da democracia. Resultado: seu rosto ganhou as redes sociais desde o início dos debates com os presidenciáveis.
Deputado de primeiro mandato (veja lista de projetos abaixo), Cabo Daciolo tem um discurso conservador, mas foi eleito com 49.831 votos pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), partido mais à esquerda com assento no Congresso. Defende Deus e a família e é contra o aborto, mas foi um dos líderes da greve dos bombeiros. Diz que os grandes banqueiros são o mal do país e que quer proteger o povo.
A Bíblia o acompanha nos corredores do Congresso e nos debates. Em julho deste ano, subiu à tribuna da Câmara com o livro em mãos para profetizar a “cura” da deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), tetraplégica há mais de 20 anos. “O que eu vou falar aqui vai parecer loucura para muitos. Mas eu prefiro a loucura de Deus do que a sabedoria dos homens”, anunciou o deputado.
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“Quero, diante de todos, profetizar a cura da deputada Mara. Eu creio que aquela mulher vai levantar da cadeira e vai começar a andar. Eu creio que isso vai acontecer. Agora eu peço ao Deus das causas impossíveis que ele possa estender a mão dele e tocar na sua serva. Estou diante de muitos descrentes. Vou me direcionar a ela e orar. Eu creio que em alguns minutos ela volta andando aqui nesse plenário”, acrescentou. A deputada assistiu à cena, no fundo do plenário, com certo constrangimento.
Após virar atração principal no primeiro encontro entre os postulantes à presidência da República, promovido pela Band, seu nome começou a aparecer nas pesquisas eleitorais. De acordo com a pesquisa do Paraná Pesquisas realizada depois que Daciolo ganhou fama, o cabo já aparecia com 0,8% das intenções de voto, ficando na frente de nomes como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (0,7%) e o candidato do Psol Guilherme Boulos (0,4%).
Na passagem pelo Parlamento, Daciolo apresentou 56 projetos de lei (PL) e quatro propostas de emenda à Constituição (PEC). Até agora, nenhum foi aprovado. Mas o deputado conseguiu aprovar uma emenda que concede anistia aos policiais e bombeiros militares punidos por participação em greves.
PublicidadeNo princípio, era a greve
A greve dos bombeiros do Rio de Janeiro foi inclusive o que o colocou na política. Em 2011, Daciolo foi um dos líderes da paralisação dos bombeiros, que reivindicavam aumento salarial. Devido à atuação no levante, ficou preso por nove dias.
Assim como Jair Bolsonaro (PSL), Daciolo também legisla em defesa dos militares. Em um projeto de lei de sua autoria, por exemplo, ele propõe que 10% do programa Minha Casa, Minha Vida sejam destinados aos militares das Forças Armadas e agentes de Segurança Pública. Em outro, quer qualificar como crime hediondo o homicídio de bombeiros, policiais, delegados, militares das Forças Armadas e membros do Ministério Público.
Sua ideia mais polêmica, curiosamente, foi também a causa de sua expulsão do partido – na ocasião, disse que Deus o colocou na Câmara. Em 2015, Daciolo redigiu uma PEC que queria alterar a redação do parágrafo único do artigo 1º da Constituição para declarar que “todo poder emana de Deus”, e não do povo, como diz o texto original. Na justificativa, o deputado lembra que é praxe e ditame regimental que os presidentes da Câmara e do Senador, ao iniciar sessões, declararem: “Sob a proteção de Deus iniciamos os nossos trabalhos”.
“Percebe-se, sem sobra de dúvidas, que a presença de Deus é reconhecida pelos congressistas. Porém, há de se afirmar um lapso na redação do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal”, escreve Daciolo.
O deputado deixa claro que não quer diminuir as conquistas do povo ao longo da história. Segundo ele, o povo que luta pelos direitos “não verá o seu poder mobilizador se apequenar, mas entenderá que todo joelho deve se dobrar diante do Deus Altíssimo”. O Psol considerou que seu discurso contrariava a proposta do partido e Daciolo foi expulso da legenda por 53 votos a um.
Flerte
O presidente do Psol, Juliano Medeiros, disse ao Congresso em Foco que, quando o bombeiro se filiou ao partido, ninguém imaginava como a questão da religiosidade afetaria o seu discurso. “Ele era uma liderança muito importante no Rio de Janeiro por conta da greve dos bombeiros e tinha um papel de oposição ao governo Sério Cabral muito forte. Todos os partidos de esquerda flertaram com ele”, conta Juliano.
“Apesar do exótico, eu vejo o Daciolo como um sujeito bem intencionado”, continua o presidente do partido. “Não sou daqueles dentro do Psol que acham que foi um erro aceitar a filiação dele. Acho que foi uma tentativa do nosso partido de dialogar com setores da sociedade que a esquerda tem dificuldade de dialogar, que são os evangélicos e os militares, mas não foi bem sucedida”.
Em entrevista ao Congresso em Foco em 2015, após ser expulso do Psol, Daciolo disse que não se enxergava como conservador. “Me vejo como um evolucionário, porque acredito na união entre o cidadão de farda com o cidadão civil. Eu quero a união. Sou militar, estou dentro de um partido em que há uma grande divergência, justamente por lutar pelas causas de esquerda que eu apoio.”
Profissão de fé
Depois do Psol, Daciolo passou pelo PTdoB (atual Avante) e hoje é filiado ao Patriota – partido que quase lançou a candidatura de Bolsonaro.
Para a educação, propôs incluir as disciplinas “Estudo da Bíblia Sagrada” e “Educação Moral e Cívica” no currículo do ensino fundamental e médio no Brasil, além de querer proibir a disseminação da ideologia de gênero nas escolas.
O deputado escreve no projeto que a Bíblia é um dos livros mais antigos do mundo, mas não pertence a nenhuma religião. “Este projeto de lei vista estimular a leitura dos jovens estudantes, bem como levá-los ao universo de histórias e lições a respeito da vida, dos dilemas morais e éticos tratados pela Bíblica Sagrada a fim de que tenham um ponto de referência consistente em que os ajude no enfrentamento de seus desafios e decisões”, justifica Daciolo.
Já na proposta para proibir o ensino de ideologia de gênero nas escolas, o deputado justifica que a “suposta orientação sexual” é comportamento adquirido por “falta referencial paterno ou materno ou mesmo pela influência do meio, bem como resultados de atitudes adultas de pedófilos que tentam perverter crianças indefesas”.
O descaso dos dirigentes públicos com saúde e educação é evidente, de acordo com o deputado. Por isso, propôs um projeto de lei para obrigar políticos a utilizarem serviços públicos de saúde durante o mandato e outro para obrigar deputados e senadores a matricularem seus filhos em escolas públicas. Daciolo acredita que esse quadro só vai mudar quando os próprios agentes públicos forem obrigados a utilizar esses serviços.
Oração no monte
Candidato ao cargo mais alto do país pelo Patriota, Daciolo não declarou patrimônio ao fazer o registro de sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar de receber salário de R$ 33,7 mil como deputado federal.
Assim como Bolsonaro, Daciolo defende o fim da corrupção e da política antiga. Outra semelhança com o ex-capitão do Exército é que os dois fazem das redes sociais seus palanques. Com 239 mil seguidores no Facebook, Daciolo utiliza a plataforma para fazer lives (transmissões ao vivo) em que conversa com os fãs e cita trechos da Bíblia. Em uma de suas aparições mais visualizadas, Daciolo sobe em um monte com um tablet, que usa para se comunicar com o público, e diz estar sendo perseguido.
“Estou no monte, onde estou orando, jejuando. Essa guerra está no plano espiritual”, disse no vídeo. Ele denuncia a Nova Ordem Mundial e a Maçonaria e diz que vai salvar o povo brasileiro.
“Nação brasileira é do senhor Jesus Cristo. Eu sou fruto da sua oração.”
Confira alguns dos projetos de Daciolo em seu primeiro mandato na Câmara:
– O PL 3167/2015, que garante que 10% do programa Minha Casa, Minha Vida sejam destinados aos militares das Forças Armadas e Agentes de Segurança Pública;
– O PL 529/2015, que qualifica como crime hediondo o homicídio cometido contra bombeiro militar, policial militar, policial civil, delegado de polícia civil, policial federal, delegado de polícia federal, agente da guarda municipal, agente socioeducativo, agente penitenciário, militares das Forças Armadas, magistrados e membros do Ministério Público.
“Infelizmente, o criminoso no Brasil não se vê impedido ou desencorajado, quando se depara com um policial”, diz o deputado no projeto;
– PEC 12/2015, que altera a redação do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal para declarar que “todo o poder emana de Deus”;
“Pergunto aos senhores e senhoras parlamentares: Que mal há expressar explicitamente na Carta Magna que todo poder emana de Deus? Nenhum. E que bem há nessa afirmação? Todos. Feliz a nação cujo Deus é o SENHOR”, escreve no final do projeto;
– PL 5985/2016, que quer incluir nos currículos dos ensinos fundamental e médio a disciplina Moral e Cívica;
– PL 9164/2017, que quer incluir o “Estudo da Bíblia Sagrada” como disciplina obrigatória no currículo do ensino fundamental e médio do Brasil.
“Este projeto de lei vista estimular a leitura dos jovens estudantes, bem como levá-los ao universo de histórias e lições a respeito da vida, dos dilemas morais e éticos tratados pela Bíblica Sagrada a fim de que tenham um ponto de referência consistente em que os ajude no enfrentamento de seus desafios e decisões”, justifica Daciolo;
– PL 10577/2018, que altera as diretrizes e bases da educação nacional para proibir a disseminação da ideologia de gênero nas escolas do Brasil.
“A ideologia de gênero é um dos grandes engodos para perverter a família natural e com isso permitir ao Estado um papel que não lhe cabe: impor a sua filosofia autoritária sobre a população”, diz o deputado no projeto;
– PL 3304/2015. Dispõe sobre proibição de atividade concomitante de motorista e cobrador de passagens em transportes coletivos rodoviários urbanos e interurbanos e dá outras providências. O projeto quer proibir que as empresas de transporte incumbam aos seus motoristas a atribuição, simultânea, de motorista e cobrador de passagens.
Menção a “Ursal” por Daciolo em debate gera explosão de memes nas redes