Na última segunda-feira (17), o deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF) apresentou um substitutivo que define como família o casamento ou união estável entre homens e mulheres e seus descendentes. Também estabelece, por exemplo, que escolas coloquem no currículo obrigatório a disciplina “Educação para família”, prevê a criação dos Conselhos da Família, estabelece a Semana Nacional de Valorização da Família (21 de outubro) e atendimento multidisciplinar para vítimas de violência.
Leia também
A proibição de casais homoafetivos – tratados na justificativa do projeto como “casais de mero afeto” –, aparece no artigo 16 da proposta. Ela modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer que seja indispensável para a adoção que os adotantes sejam “casados civilmente ou mantenham união estável, constituída nos termos do art. 226 da Constituição Federal, comprovada a estabilidade da família”.
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existem 60 mil casais homossexuais no país. No entanto, não existem números de quantos deles adotaram crianças ou ainda enfrentam o processo para ter um filho pelos canais legais.
Como o artigo 226 da Constituição diz que, para efeito da proteção do Estado, “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, o projeto do Estatuto da Família acabaria colocando em norma legal algo que não existe hoje, que é a proibição de casais do mesmo sexo adotarem crianças.
“Mero afeto”
“A realidade que temos hoje é união estável e casamento civil de pessoas do mesmo sexo, não abarcados pelo art. 226 da CF, mas sustentados por decisão do STF e CNJ, recebendo o status de família ‘homoafetiva’”, disse Ronaldo Fonseca na justificativa do substitutivo. Ele diz ter consciência das transformações sociais, mas que “não faz sentido” proteger as relações de mero afeto “pois dela não se presume reprodução conjunta e o cumprimento do papel social que faz da família ser base da sociedade”.
Na justificativa, o deputado prossegue as críticas indiretas ao movimento LGBT e dispara contra os defensores dos direitos iguais. O parlamentar do Distrito Federal acredita que o Estado não deve arcar com as despesas de quem não pode gerar uma família. Para ele, o Supremo Tribunal Federal (STF) inovou ao estender a casais homossexuais os mesmos direitos previdenciários, não se preocupou com o efeito orçamentário da decisão e errou por não estender os mesmos direitos a relações de mero afeto heterossexuais.
“Nesse sentido, não podemos subordinar as crianças a obterem adoção que cristalize a impossibilidade de suprirem o trauma da perda e falta de convívio com seu pai e sua mãe. Nas relações de mero afeto, sobretudo nas que as pessoas que a compõe forem de mesmo sexo, a criança que sob essa hipótese fosse adotada passaria a ter de maneira irremediável a ausência da figura do pai, ou da mãe”, justificou o deputado.
Legislação
O Cadastro Nacional de Adoção, ferramenta criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para facilitar o trabalho de juízes, identificou, no seu relatório mais recente, 32.854 pretendentes. Existem, também segundo o cadastro, 5.618 crianças esperando uma família, quase a metade classificados como pardo e a grande maioria acima de cinco anos de idade.
No Brasil, não existe lei que expressamente autorize a adoção por casais homoafetivos. Porém, decisões da Justiça brasileira garantem o direito, desde que os serviços de assistência social entendam que é para o bem da criança. Uma delas foi a determinação do STF em 2011, que, ao reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo, facilitou o processo.
Mesmo assim, são mais comuns os casos de guarda única, onde apenas uma das pessoas do casal formaliza a adoção. Como o Estatuto da Criança e do Adolescente não trata especificamente do tema – apenas diz que é preciso apresentar reais vantagens para o adotado e ter motivos legítimos – as concessões têm ocorrido no país.
Campanha
Durante a campanha presidencial, temas relacionados a casais homoafetivos, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção, acabaram ficando de fora das discussões. Na corrida no primeiro turno, os três principais candidatos – Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) – não trataram do assunto diretamente. E, quando questionados, evitaram respostas mais incisivas.
“Tudo que envolver afeto e condições adequadas, eu não me oporia. O que eu defendo é uma facilitação do processo”, disse Aécio em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, do UOL. Já Marina afirmou, após mudanças no programa de governo, ser a favor também da adoção, mas evitou uma defesa veemente. Já Dilma, apesar de ter cedido às pressões de grupos conservadores no primeiro mandato, comprometeu-se a garantir a extensão do direito dias antes do segundo turno presidencial.