Mário Coelho e Fábio Góis
Por nove votos a seis, os membros do Conselho de Ética negaram os recursos da oposição pelo desarquivamento das seis denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Quatro deles tinham sido apresentadas pelo líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (AM). As outras duas foram formuladas pelo tucano em parceria com Cristovam Buarque (PDT-DF).
O presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), recusou as denúncias por considerá-las ineptas já que não tinham documentos de comprovação, limitando-se a transcrever matérias de jornais, o que não é aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A jurisprudência do STF prevê que matérias jornalísticas não são aceitas como provas definitivas pela corte.
As quatro denúncias feitas por Virgílio tratam, respectivamente da operações do neto de Sarney com crédito consignado na Casa – sua empresa foi contratada pelo HSBC para trabalhar na área. Além disso, o tucano queria a investigação de supostas irregularidades na Fundação José Sarney, como repasse de verbas pela Petrobras.
As duas últimas tratam da negativa de Sarney em relação ao comando da entidade, apesar de ter cargo vitalício, e das gravações reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo ligando o presidente a atos secretos na Casa. Já as feitas junto com Cristovam questionavam o fato de um assessor de Sarney ter conseguido informações privilegiadas junto à Polícia Federal e à acusação de que o presidente do Senado teria ocultado a propriedade de terras para não pagar tributos.
Votaram pela manutenção do arquivamento os senadores Wellington Salgado (PMDB-MG), Almeida Lima (PMDB-SE), Gilvam Borges (PMDB-AP), João Pedro (PT-AM), Inácio Arruda (PCdoB-CE), Gim Argello (PTB-DF), Romeu Tuma (PTB-SP), Delcídio Amaral (PT-MS) e Ideli Salvati (PT-SC).
Já os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Eliseu Resende (DEM-MG), Marisa Serrano (PSDB-MS), Sérgio Guerra (PSDB-CE), Rosalba Ciarlini (DEM-RN) e Jefferson Praia (PDT-AM) queriam a abertura das investigações.
Representações
Em seguida, as cinco representações que haviam sido apresentadas ao Conselho contra Sarney – três do PSDB e duas do Psol – também foram mantidas na gaveta. Os tucanos recorreram ao colegiado contra o peemedebista por: intermediação feita pelo neto do senador em operação de crédito consignado para servidores do Senado; intervenção, por meio de atos secretos, na nomeação de namorada da neta para cargo comissionado (sem concurso); e desvio de dinheiro público, por meio de patrocínio da Petrobras, por parte da Fundação José Sarney, no Maranhão.
Já as peças do Psol acusavam Sarney por quebra de decoro parlamentar pela suposta participação na emissão de atos administrativos secretos e por omissão de bens à Justiça Eleitoral. Para manter arquivadas também as representações, os membros do Conselho mantiveram o voto dado na análise dos recursos contra o engavetamento das denúncias. Ou seja, o placar também ficou nove a seis a favor de Sarney.
Segundo o regimento interno do Senado, as representações, uma vez acatadas pelo presidente e aprovadas pelo plenário do Conselho, levam imediatamente à abertura de processo contra o representado, cujo rumo é decido em plenário (nesse caso, Sarney se afastaria até a conclusão do procedimento). Além da hipótese de absolvição, as penas previstas são advertência, censura, suspensão e cassação de mandato (nesse último caso, o parlamentar se torna inelegível por oito anos).
No caso das denúncias, um processo de investigação é iniciado no âmbito do colegiado, podendo não resultar em abertura de processo. Enquanto as denúncias podem ser individuais ou partidárias, as representações só podem ser formalizadas com o aval da bancada.
Discussão
Antes de começar a análise dos recursos, o senador João Pedro leu nota do presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), defendendo que os três senadores do partido votem para arquivar denúncias e representações contra Sarney e Virgílio. Para Berzoini, a crise do Senado “tem reais raízes”, mas vem sendo manipulada de forma política para tentar afastar partidos hoje unidos no apoio ao governo, visando aos arranjos partidários para as eleições de 2010.
A leitura da nota causou polêmica entre senadores da oposição. Sérgio Guerra questionou o por quê de o Conselho de Ética não poder ouvir Sarney. Ele acrescentou que o partido “nunca pediu a renúncia [de Sarney] nem falou em cassação de mandato, sendo incompreendido nessa postura”.
Para Pedro Simon, hoje foi o dia em que “o PT abraça Sarney e o [o senador Fernando] Collor e a Marina [Silva] sai”. Pela manhã, a senadora Marina Silva (sem partido-AC) comunicou sua saída do PT. A maior probabilidade é que ela entre no PV. “Hoje é um dia muito triste. Para a biografia do presidente Sarney, é o pior dia”, afirmou Simon.
Leia a íntegra da nota do PT:
“A crise do Senado e os recursos no Conselho de Ética
A crise política pela qual passa o Senado Federal tem raízes em práticas administrativas inaceitáveis, que colidem com princípios constitucionais que fundamentam a administração pública.
Nos últimos meses, tomamos conhecimento de uma série de distorções que demonstram que a necessária estrutura de garantia da ação parlamentar converteu-se em uma série de privilégios e desmandos que exigem reparação e mudanças na estrutura da Casa.
É urgente a reformulação da gestão do Senado Federal, criando mecanismos modernos de gestão e instrumentos regulares de transparência. Também é necessária a apuração das irregularidades que se referem aos atos praticados por servidores e parlamentares que tenham ferido a legislação. Para tanto, Ministério Público e Polícia Federal, que já estão investigando, têm instrumentos e metodologia apropriados para apurar de forma isenta as irregularidades apontadas.
No entanto, não podemos ignorar que essa mesma crise é alimentada pela disputa política relacionada às eleições de 2010. A forma como as denúncias concentram-se no presidente do Senado, José Sarney, não deixa dúvidas de que, mais que apurar e reformar, a pretensão é incidir nas relações entre partidos, que apoiam o governo ou que podem constituir alianças para as eleições nacionais e estaduais do próximo ano. Ignoram ou minimizam ilegalidades graves de determinados parlamentares ou partidos e concentram na desconstituição do presidente da mesa, como se ele tivesse responsabilidade exclusiva pelos problemas de todo o Senado.
O PT apresentou ao Senado a candidatura do senador Tião Viana para presidir a instituição, com uma plataforma de reformas que poderiam ser um passo adiante. Nossa candidatura não foi vencedora e reconhecemos o resultado.
Por entender que essa crise tem raízes reais, mas é manipulada de forma hipócrita para interesses eleitorais, e por defender a estabilidade política e o estado democrático de direito, como bases para um funcionamento pleno da democracia, não há como reconhecer no Conselho de Ética, com os ânimos da radicalização política atual, condições para encaminhar uma investigação isenta e equilibrada, seja sobre o senador Sarney ou sobre o Senador Virgílio, sem falar em outros casos sobre os quais caberia representação ao órgão.
Ricardo Berzoini
Presidente Nacional do PT“