Antes de admitir um servidor em seus quadros, o governo quer saber se o candidato tem “ficha limpa”. A comprovação de bons antecedentes é uma etapa comum em concursos como os da área de segurança pública, altos cargos do judiciário e Ministério Público, mas pode ser exigido em qualquer outra seleção, desde que esteja previsto no edital. A fase, chamada de investigação de vida pregressa, provoca debates quanto à legalidade e constitucionalidade dos documentos exigidos.
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As discussões estão focadas no possível confronto com o princípio da presunção da inocência, prevista no artigo 5º da Constituição, e do princípio da moralidade administrativa, que é o conjunto de regras de condutas internas da Administração Pública. Há, portanto um conflito: por um lado, o candidato corre o risco de apresentar provas contra si e perder a vaga conquistada em outras fases; por outro, há a necessidade da administração pública de garantir que o candidato selecionado tem a conduta necessária a um servidor.
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O diretor-presidente do Gran Cursos, professor José Wilson Granjeiro, considera “razoável, proporcional, moral e legal”, a exigência de documentos que verifiquem se o candidato possui bons antecedentes para o ingresso no serviço público. De acordo com ele, existem leis específicas que criam e regulamentam carreiras, e é nesses textos que estão todos os pré-requisitos morais para sua admissão.
Para ilustrar os riscos que a falta de uma investigação pregressa poderia acarretar, Granjeiro exemplifica. “O candidato ingressa no quadro de servidores da Agência Brasileira de Inteligência e vai lidar com assuntos que envolvem a soberania e a segurança nacional. É natural que essa pessoa tenha toda uma vida pregressa recomendável. Senão, corremos o risco de que ele esteja infiltrado em uma organização criminosa, numa máfia qualquer, e isso pode ser prejudicial para o Estado e, por tabela, para o cidadão contribuinte que utiliza esses serviços”, afirma.
Granjeiro pondera que, na falta de uma legislação que defina as regras no plano federal, para as carreiras que não têm a investigação de vida pregressa como parte dos pré-requisitos em lei, o Judiciário está pautando a conduta quando provocado. De acordo com o professor, “falta um estatuto, uma norma geral, que deve partir da iniciativa da presidente Dilma, para acabar com as divergências”.
Trânsito em julgado
Os casos mais polêmicos em relação a investigação de vida pregressa envolvem candidatos que têm pendências na Justiça. No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, só quando a condenação em um processo judicial for transitado em julgado, ou seja, tiver uma decisão definitiva e que não caiba recursos, é que o candidato pode ser impedido de participar de processos seletivos. “Quando um concorrente responde a ação judicial, de qualquer natureza, não pode ser desclassificado enquanto o processo não terminar”, explica Granjeiro.
Frederico Haulpit Bessil, em seu trabalho de conclusão do curso de Direito pela PUC-RS intitulado “O requisito da idoneidade moral analisado na investigação de vida pregressa de candidatos que concorrem a cargos públicos”, afirma que, em alguns casos, os direitos dos candidatos não são respeitados pelos administradores públicos.
De acordo com Frederico, geralmente os tribunais de Justiça dos Estados indeferem a inscrição do candidato, mas, ao recorrer ao STJ, o acórdão dos tribunais quase sempre são reformados, pois no caso de réu aprovado em concurso público, é pacificado o entendimento de que tem o direito à nomeação. Portanto, se a pena foi cumprida e o candidato está quite com a sociedade, ele deve buscar os seus direitos, pois eles existem. “Às vezes, esses direitos têm de ser buscados através de um mandado de segurança, que é o remédio constitucional adequado para buscar um direito liquido e certo”, conclui Frederico.
Ocorre que, mesmo que a condenação seja adequada aos ritos previstos na etapa, ao candidato, deverá ser assegurado o direito a ampla defesa de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, materializando-se com a interposição de recurso administrativo.
Também cabe à Administração Pública, observar o princípio da motivação previsto no artigo 50 da Lei 9.784/99. Caso não seja assegurado ao candidato eliminado o direto ao contraditório, ampla defesa e o princípio da motivação, o ato administrativo será irregular, podendo, até mesmo, ser anulado mediante mandado de segurança ou uma ação anulatória com pedido de antecipação de tutela.
O concurseiro Renato Carvalho Magalhães, 27 anos, é formado em Direito. Ele dedica cerca de oito horas de estudo por dia afim de atingir a meta de, em breve, fazer parte do serviço público. Renato considera legítima a investigação de vida pregressa., “desde que não ocorra uma punição prévia do candidato antes que ele tenha sido condenado judicialmente”, disse.
Renato, que também é pós-graduado em Direito Penal, concorda que uma lei mais clara poderia resolver o problema. “Se eu fosse criar uma lei, seria permitido ao candidato participar do concurso em todas as etapas do certame, com direito à nomeação, com a ressalva de que, em caso de trânsito em julgado de condenação criminal, o candidato seria exonerado do cargo ainda que já tenha tomado posse”, conclui.
Documentação
Quando parte da seleção dos concurseiros, a investigação de vida pregressa é uma das últimas fases. São exigidos dos candidatos, além dos documentos pessoais, quitação eleitoral e militar – no caso dos candidatos do sexo masculino -; a seguinte lista de documentos mais cobrados:
– certidões negativas criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral dos locais onde morou nos últimos cinco anos;
– folha de antecedentes da Polícia Militar e Federal do mesmo período;
– relação de endereços residenciais e nome e CNPJ de empresas onde trabalhou também dos últimos cinco anos;
– Declaração validada em cartório de que o candidato não sofreu condenação definitiva por crime ou contravenção, nem penalidade disciplinar no exercício de função pública, e, em caso contrário, justificativa e descrição completa do ocorrido;
– Declarações de autoridades do serviço público, de profissionais liberaris ou professores universitários que tenham tido contato com o candidato que atestem sua a idoneidade moral e o correto comportamento social.
A maioria das certidões são gratuitas e podem ser adquiridas nos sites dos órgãos responsáveis pelas emissões desses documentos. A não apresentação dentro do prazo exigido em edital faz com o candidato deixe de participar do processo seletivo.