Esta reportagem foi publicada na edição de dezembro da Revista Congresso em Foco. Para ter acesso integral ou receber a edição impressa em qualquer lugar do Brasil, clique aqui.
Dado como morto em 17 de maio, quando foi revelada sua conversa com Joesley Batista, o peemedebista sobreviveu a duas cirurgias e denúncias criminais, à prisão de aliados e à pior avaliação de um presidente desde a redemocratização. No meio do vendaval, ele chegou a se questionar se valia a pena continuar no cargo.
“Parece que passamos por muitos anos em um só.” A frase de quem viveu intensamente o ano de 2017 não poderia ser de outra pessoa. Michel Temer fez a afirmação em uma conversa com assessores, no Palácio do Planalto, após a Câmara barrar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República.
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O presidente fez o diagnóstico natural de quem passa ileso por um terremoto e, ainda atordoado, olha para trás. Temer e seus assessores fizeram um retrospecto que começa com a morte do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, logo em janeiro de 2017. Um vendaval de acontecimentos impactou de novatos a raposas da política e superou até a delação do fim do mundo, como ficou conhecido o conjunto de depoimentos de executivos da Odebrecht, que caiu no esquecimento.
O mundo não acabou, mas consumiu muita energia de todos. O que se viu foi um governo binário. De um lado, crises; do outro, reformas. Da crise do sistema penitenciário e econômica à aprovação das reformas do ensino médio e trabalhista; da crise política à longa novela para votar a reforma da Previdência. Amigos presos na Operação Lava Jato, como os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves e o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures. Duas denúncias criminais, popularidade próxima de zero, a pior avaliação de um presidente desde a redemocratização.
Na vida pessoal, também atribulações. Foram duas cirurgias, uma para reduzir o tamanho da próstata, e outra para desobstruir a artéria coronária. Temer sobreviveu. Mas chegou a ter a morte decretada por alguns dos principais veículos de comunicação do país, analistas políticos, opositores e aliados em 17 de maio. Naquele dia, estava reunido com deputados de sua base tratando da pauta política quando recebeu um pedido preocupado de assessores próximos que queriam lhe contar algo grave.
Na mão de um deles, a primeira reportagem sobre o diálogo entre o presidente e o empresário Joesley Batista, da J&F, em um encontro tarde da noite, no Palácio do Jaburu. Era acusado de tramar um plano para calar a boca do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB). Estava tudo gravado. A constatação nos bastidores políticos era uma só: Temer estava morto.
O governo acabara. Já no dia seguinte, o próprio presidente pediu ao Supremo Tribunal Federal acesso aos áudios da conversa. Alegou ao STF que o sigilo impactava negativamente a economia e que precisava dar uma satisfação à sociedade. Mas os áudios não chegavam. “Presidente, o senhor quer enfrentar esse processo? É enfrentar ou, uma alternativa pra distensionar o ambiente, dizer que vai antecipar a eleição presidencial para novembro. Mas renunciar, não”, aconselhou o secretário de Comunicação, Márcio Freitas.
“Vale a pena?”
Todos tentavam reanimá-lo. Não havia mais tempo a esperar, o barco estava esvaziando, e todos queriam ouvir uma fala do presidente. O Planalto marcou o pronunciamento para as 16h daquele 18 de maio. Com ou sem a gravação, Temer decidira falar do mesmo jeito. Faltava espaço no Salão Leste do Planalto para tanta gente. Ministros, jornalistas, mas, especialmente, servidores do governo tomaram conta do local, no segundo andar do palácio, em meio à expectativa de renúncia.
Muito barulho que foi silenciado com a entrada de Temer no salão. A frase escrita “não renunciarei” ganhou ênfase de improviso, “repito, não renunciarei”. Naquela altura o nome de candidatos para sucessão já era a pauta preferida de aliados no Congresso. Quando o peemedebista começou a falar, o subchefe de Assuntos Jurídicos do Palácio do Planalto, Gustavo Rocha, chegou com uma cópia dos áudios que havia obtido no Supremo. Correu para o gabinete do presidente, no terceiro andar.
Mais de 15 pessoas, entre deputados, senadores e ministros se concentraram na espaçosa sala presidencial. Rocha ouviu o material na íntegra, sentado em uma área mais reservada do gabinete, a sala de refeições. Marcou os minutos mais importantes da gravação. Nem tudo era audível. Quando retornou ao gabinete, depois do pronunciamento, Temer ouviu os principais trechos do diálogo, sentado à mesa em que normalmente almoça, de frente para um notebook com pequenas caixas de som.
Em especial, sua declaração “tem que manter isso, viu?”, dita por ele ao executivo da J&F. “Não é o que está sendo repercutido pela imprensa”, disse Gustavo Rocha ao presidente. Temer encontrava brecha na interpretação para refutar a acusação de que havia aconselhado Joesley a pagar mesada a Eduardo Cunha em troca de seu silêncio.
A transcrição dos áudios foi destrinchada com lupa pelos aliados, dissidentes e opositores. No sábado, 20 de maio, Temer convocou uma reunião no Palácio da Alvorada porque queria fazer um novo pronunciamento no Planalto. Surgiu com um terno preto e sem gravata. “Depois, quando veio o áudio, havia uma percepção interna de que era possível uma reação.
Havia mais informações sobre os áudios, os benefícios que foram oferecidos à JBS, a especulação com o dólar. Havia um quadro que permitia criar uma narrativa”, afirmou o secretário Márcio Freitas à Revista Congresso em Foco.“O autor do grampo está livre e solto passeando pelas ruas de Nova York. O Brasil, que já tinha saído da mais grave crise econômica da sua história, vive agora, sou obrigado a reconhecer, dias de incerteza. Ele não passou nem um dia na cadeia. Não foi preso, não foi julgado, não foi punido. E, pelo jeito, não será. Cometeu, digamos assim, o crime perfeito”, afirmou Temer.
O presidente foi ao ataque contra Joesley. Chamou-o de “criminoso”, “falastrão exagerado” e “fanfarrão”. Mas não explicou por que decidiu recebê-lo fora da agenda, sem a devida identificação na portaria, tarde da noite em sua residência oficial. Muito menos por que não tomou providências quando o executivo lhe confessou ter cometido vários crimes. Como ninguém sabia o que ainda estava por vir, muitos aliados, atônitos com o reflexo do escândalo nas eleições de 2018, viram no julgamento da chapa Dilma-Temer, no Tribunal Superior Eleitoral, uma saída honrosa para o fim do governo.
Mas não foi isso o que aconteceu. Temer deslocou o ministro Torquato Jardim, do Ministério da Transparência, para a Justiça. Ex-ministro do TSE, ele cuidou da estratégia jurídica do governo. Em 9 de junho, Temer contou com o presidente do TSE, Gilmar Mendes, que deu o voto decisivo no placar de quatro a três pelo arquivamento da ação. Temer virou alvo de duas denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A primeira, por corrupção. A segunda, por obstrução da justiça e organização criminosa.
Janot apontou o presidente como o destinatário da mala com R$ 500 mil que um executivo da J&F entregara ao então assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures. As imagens do suplente de deputado saindo apressado de uma pizzaria e entrando em um táxi com a mala, em São Paulo, correram o país.
O custo das denúncias
Em 20 de junho, Temer elevou o tom e fez o pronunciamento mais duro contra Janot. “Aliás, examinando a denúncia, eu percebo e falo com conhecimento de causa. Eu percebo que reinventaram o Código Penal e incluíram uma nova categoria: a denúncia por ilação”, disse Temer logo após a primeira acusação. Seu futuro estava nas mãos de um Congresso com mais de 200 parlamentares sob investigação. Temer precisava do apoio de pelo menos 171 deputados para que o Supremo não analisasse as denúncias contra ele.
Mesmo com estratégia jurídica e indicadores melhores na economia na manga, o presidente só venceu a batalha com cartadas políticas: cargos, emendas, benesses em projetos de lei e jantares. Em julho, foram liberados quase R$ 2 bilhões para as bases eleitorais dos parlamentares – os primeiros de muitos. Já no dia 1º de agosto, na noite anterior à decisão de plenário, cem deputados de diferentes legendas foram convidados para um encontro com Michel Temer no apartamento do vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho, na Asa Sul.
O clima era pesado. O elevador do prédio quebrou. Temer subiu de escada. Criticou a investigação e pediu apoio dos deputados, que se fartaram de comida mineira, especialidade do anfitrião. No dia seguinte, a denúncia foi enterrada com 263 votos. Em 14 de setembro, veio a segunda acusação, dessa vez por obstrução de justiça e organização criminosa. Teve novo jantar mineiro.
Depois de novas barganhas, inclusive perdão bilionário de dívidas, o caso foi enterrado em 25 de outubro no plenário da Câmara por 251 deputados. Menos do que na primeira votação. Pesquisa Datafolha divulgada no início de dezembro mostrou que 62% dos entrevistados consideram o atual governo pior que o anterior. O índice de rejeição ao governo caiu dois pontos percentuais, dentro da margem de erro, de 73% para 71%, em comparação com o levantamento anterior.
Somente 5% avaliam que o governo é bom ou ótimo. A rejeição estabilizou, mas a popularidade continua no chão. O governo aposta que, com os sinais de melhora na economia, tenha condições de reverter o quadro. “Quando cair a trama, quando for totalmente revelada a armação que o presidente Michel Temer sofreu, com certeza o ‘bom/ótimo’ e ‘regular’ vão a 50% dos brasileiros.
A verdade vence”, afirmou o marqueteiro Elsinho Mouco à Revista Congresso em Foco. Para ele, a guinada vem em 2018 e Temer entrará para a história como o presidente reformador. A conferir.