14 de janeiro de 2022 |
A ideia em um segundo Algumas das raízes das nossas mazelas já estão na nossa Independência. Sementes da nossa mistura de projeto de liberdade misturado ao projeto de autoritarismo já se encontram na proclamação feita por Dom Pedro I e nos seus desdobramentos. “As eleições são as sirenes da democracia” (Adam Przeworski) Publicidade
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200 anos de Independência
Celebramos (?) em 2022 o bicentenário da Independência nacional. Passamos a fazer jus à autodeterminação e à não-intervenção de povos estrangeiros, constituindo-se como mais um integrante da divisão mundial entre Estados-Nação como unidades políticas. No episódio mesmo de nascimento de nosso país, entretanto, encontramos sementes de algumas das mazelas que deixam o Brasil em um eterno devir.
PublicidadePedro I, quando reuniu a assembleia constituinte que viria a elaborar a primeira Constituição nacional, afirmou: “Que os senhores façam uma Constituição digna do Brasil e de mim.” Não surpreende, portanto, que ele não tenha ficado satisfeito com o texto, tendo dissolvido aquela assembleia. Conta a história que um dos deputados, Antonio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, ao deixar o parlamento, satiricamente curvou-se diante de um canhão, tirando o chapéu e dizendo: “Saúdo Sua Majestade, Dom Pedro I”. O Imperador só ficaria contente quando impôs uma Constituição que impunha o seu projeto político ao País. Misturava-se, na origem nacional, um suposto projeto de “liberdade” (afinal, independência é a libertação de alguma dependência) com o elemento iliberal do autoritarismo revestido de paternalismo monárquico. Outro aspecto do Brasil profundo, que comentamos na última edição do Farol.
Nossa Independência foi “tutelada” por um líder que na verdade buscava mediações e afirmações perante o poder do qual se libertava (a Coroa portuguesa). Não foi só na proclamação da República que o povo esteve completamente alienado de um processo macropolítico. Não é à toa, portanto, que a data esteja sendo praticamente ignorada pelos poderes públicos, quanto mais pela população em geral.
Curiosidade: a fabricação do Dia do Fico
Como em outros momentos da história, o famoso Dia do Fico, segundo indícios, também foi fabricado. Declaração original: Convencido de que a presença de minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa, e conhecido que a vontade de algumas províncias assim o requer. Demorarei a minha saída até que as cortes e o meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito, com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido. Declaração editada por Frei Francisco Sampaio, do Convento de Santo Antonio: Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico! Fonte: @laurentinogomes |
Instituições importam
Apenas quarenta e seis anos separam a Independência nacional da norteamericana. O desenvolvimento institucional em cada país, entretanto, deu-se de modo muito diferenciado. A começar dos arranjos para a divisão e supervisão dos poderes (que no Brasil monárquico eram quatro, com o Imperador podendo prevalecer sobre os demais), passando pelos sistemas de representação e os métodos de composição dos diversos interesses e, finalmente, pela compreensão legal e doutrinária do que significa a cidadania. Esse conjunto de fatores interagem para produzir resultados diferenciados, de acordo com a especificidade do arcabouço institucional – uma tônica do Farol: instituições importam.
E importam ainda mais em momentos de tensão. São elas que estruturam os conflitos, assegurando que esses aconteçam dentro das regras do jogo e sejam absorvidos pelo sistema. O espaço conflitual é inerente a democracias pluralistas. A forma como os conflitos são tratados institucionalmente é que vai definir se esses serão pacíficos ou se poderão levar a rupturas violentas. Quando as forças políticas percebem que há pouca coisa a ganhar violentando as regras do jogo e que há esperança de que sejam vitoriosas, se não no presente pelo menos em algum futuro não muito distante, há uma acomodação.
As regras do jogo definem as ações possíveis a cada ator, oferecendo incentivos e restrições que guiam a discricionariedade individual. Dessa forma, as ações individuais acabam se moldando ao coletivo, propiciando equilíbrios entre os diversos interesses. Aqui ressalta o papel do Poder Legislativo em democracias – muitos teóricos do sistema de Westminster qualificam o Parlamento como uma clearing house, uma câmara de compensação, na qual se medem e se ajustam os interesses e contrainteresses sociais.
Eleições como sirenes
Nesse contexto, as eleições são sirenes, para usar a imagem proposta pelo cientista político Adam Przeworski. Enviam sinais sobre quais são os valores e interesses predominantes para aquele ciclo político. De uma certa forma, as eleições informam aos perdedores: essa é a atual distribuição de forças, caso desejem se rebelar, esse é o tamanho da força que vocês enfrentarão. Daí vem o trocadilho em inglês para dizer que com as eleições trocam-se bullets (balas) por ballots (votos).
Os resultados eleitorais brasileiros, nos últimos ciclos, têm mostrado que não há vencedores com capacidade de impor qualquer projeto hegemônico. A significância dos perdedores mostra que a sociedade precisa encontrar uma composição possível (ou a junção dos incompossíveis) para seguir operando como democracia pluralista. É muito difícil que um dos atores operem por meio das instituições, mas rejeite um resultado desfavorável – uma boa chave de leitura para compreender os vaivéns de Bolsonaro em relação a decisões do Supremo, por exemplo (de ameaças de descumprimento a pacificações por meio da pessoalidade). A alternativa é uma solução de força, mas a quantidade de balas necessária é alta.
Desse modo, os duzentos anos da Independência nacional serão marcados por um paroxismo: a completa ignorância pela absoluta maioria da sociedade, como mostrou o Congresso em Foco, inclusive os órgãos públicos (reflexo da agudização de um povo alienado das soluções estruturais de seu arranjo político) e o soar das sirenes eleitorais, que, em 2022 trarão uma perspectiva sombria – pois estará em jogo a continuidade do sistema democrático proposto e estabelecido pela ordem constitucional de 1988.
TERMÔMETRO
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
A cada dia, mais categorias do serviço público aderem às manifestações marcadas para o dia 18 de janeiro em protesto pela decisão tomada no ano passado de conceder reajuste salarial somente às categorias policiais. Como essa discricionaridade não faz sentido no campo político ou eleitoral, cresce a desconfiança de que tenha acontecido mais para garantir certas blindagens ao presidente e a seus próximos. Mas pegou mal. Agora, o governo não consegue recuar do que prometeu aos policiais nem ceder a algumas categorias em aumentar a pressão de outras. Uma encalacrada. | Certamente, uma nova situação que em nada ajuda a cada vez mais cambaleante popularidade do presidente. A pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira (12) mostra como Bolsonaro empacou e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, vai consolidando, se nada mudar, uma grande vantagem, que hoje até lhe garantiria uma vitória em primeiro turno. O anúncio de que temos a terceira maior inflação do mundo e a pior expectativa de crescimento entre os paíse emergentes, divulgada pelo Banco Mundial, em nada ajuda uma melhora desse quadro. |