*Edson Lopes
Viajar, depois de muito tempo de distanciamento social por conta da pandemia, voltou aos planos dos brasileiros. Segundo dados da Coordenação Geral de Dados e Informações (CGDI) do Ministério do Turismo, 73,4% dos empresários do setor acreditam em um aumento na demanda interna no primeiro semestre de 2022. Com o real desvalorizado e uma guerra em curso na Europa, sair do país nas férias deixou de ser uma realidade para boa parte da população brasileira. Por isso, é natural que o turismo internacional seja substituído pelo doméstico, aumentando a demanda pelas viagens dentro do Brasil.
Essa expectativa tem razão de ser e, considerando esse cenário, o transporte de passageiros de longa distância por ônibus terá um papel preponderante nessa retomada. Com o aumento nos preços das passagens aéreas, muitas viagens que antes eram feitas por esse meio de transporte foram substituídas pelo carro particular. Contudo, temos também uma alta histórica nos preços dos combustíveis; ou seja, hoje, a viagem de ônibus é a maneira mais fácil de se deslocar por longas distâncias dentro do Brasil.
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Por essa razão, é fundamental acelerar o debate sobre a mobilidade de longa distância que ocorre em diversas esferas, incluindo a última lei aprovada pelo legislativo federal regulando a abertura do setor. Tornar o mercado mais competitivo é fundamental não apenas para as empresas envolvidas no transporte de passageiros, mas para o setor de turismo como um todo. Num cenário de pressão inflacionária, as viagens de ônibus funcionam como ferramenta de inclusão, possibilitando dar vazão à demanda interna, especialmente para quem não têm condições de pagar por uma passagem aérea.
Contudo, para isso que esse cenário se materialize, precisamos de mais players no setor e regras claras sobre novas linhas. A abertura desse mercado tem impacto direto nos preços das passagens. Segundo dados obtidos por meio do Portal da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os trechos rodoviários com maior concorrência (como a linha São Paulo — Rio de Janeiro) sofrem menos com a oscilação de custos do que nos trechos onde o número de empresas operando é restrito (como Belo Horizonte — Rio de Janeiro). Em 2019, pela primeira vez, a ANTT concedeu licenças de operações por autorização – o padrão do transporte rodoviário interestadual são as concessões. Como consequência, o preço médio das viagens no país caiu mais de 30% em linhas onde houve aumento de competitividade.
O processo de abertura iniciado em 2019 e pausado em 2020 por decisão temporária do Tribunal de Contas da União – TCU (cuja resolução definitiva ainda está em análise pela corte) também trouxe um maior número de municípios atendidos. Segundo dados da agência reguladora, as autorizações fizeram com que o número de cidades atendidas pelo serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional aumentasse 22,10%, passando de 1882 para 2300 municípios. Ainda, segundo a agência, o potencial de incremento de mercado é de 175%, considerando apenas os pedidos de autorizações protocolados junto ao órgão governamental. Vale lembrar que o setor aguarda a resolução da ANTT com as novas regras para o setor, que devem ser anunciadas este ano.
PublicidadeVale lembrar que a abertura de mercado não apenas torna os valores mais acessíveis e leva o transporte rodoviário para novas localidades, mas também incrementa a qualidade dos serviços e comodidades oferecidas aos passageiros. Soma-se a esses fatores, também, a digitalização do setor — tanto no processo de compra das passagens quanto do embarque e acompanhamento do roteiro. Assim, temos o cenário perfeito para que esse modal seja o grande protagonista da retomada do turismo interno brasileiro, oferecendo mais possibilidades de deslocamentos pelo país, com maior comodidade, conforto e melhor custo-benefício.
Por isso, é fundamental que as instâncias regulatórias do país abram o nosso mercado, permitindo que novos players operem em linhas já existentes e levem o transporte rodoviário de longa distância para novos municípios. A retomada do turismo interno passa pelas estradas brasileiras e pelos viajantes que vão desbravar nosso país de ônibus. Mais do que nunca, é hora dos nossos legisladores atuarem para criar um ambiente de segurança jurídica e regras claras, que promova a competição saudável no setor. É isso que precisamos para que o transporte rodoviário seja uma ferramenta para democratizar o turismo, tornando as viagens pelo Brasil mais acessíveis para todos.
*Edson Lopes é engenheiro e atua como CEO da operação da Flixbus no Brasil. Foi diretor de Operações da startup indiana OYO, liderou múltiplas áreas da Uber no Brasil e trabalhou como Consultor no BCG e em empresas do setor financeiro.