Paulo Dalla Nora Macedo*
Desde o início da industrialização nenhuma democracia liberal capitalista avançada saiu das fileiras dos países de alta renda ou regrediu permanentemente ao autoritarismo. Esses são dados comprováveis e não é uma coincidência, afirmam Torben Iversen, da Harvard University, e David Soskice, da London School of Economics, em seu livro lançado em 2019, “Democracia e Prosperidade”.
Em vez disso, advogam, nas economias avançadas a democracia liberal e o capitalismo, de vários graus, tendem a se reforçar mutuamente. É uma mensagem importante, mas que precisa ser entendida como uma análise do passado e não como uma defesa contra a evolução e aperfeiçoamento do sistema econômico capitalista.
Sem endereçar objetivamente questões como a desigualdade e falta de representatividade, extremistas adeptos a modelos de democracia iliberal, de esquerda e de direita, ganham fôlego cultivando frustrações e amarguras. Foi o que vimos na última década. Depois de muita perda de espaço da democracia liberal, é alvissareiro que exista um debate sobre as possíveis correções de rumo do mais bem-sucedido – e imperfeito – sistema já experimentado.
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Em abril do ano passado, o Financial Times, jornal de negócios mais influente do mundo, publicou um editorial advogando que a pandemia vai obrigar o mundo a repensar o seu contrato social para endereçar as crescentes desigualdades. A referência usada foi o aprendizado dos líderes ocidentais durante a Grande Depressão e após a Segunda Guerra Mundial: para exigir o sacrifício coletivo, você deve oferecer um contrato social que beneficie todos.
Em setembro, também de 2020, o New York Times fez uma longa reportagem especial para celebrar os cinquenta anos da publicação, em sua própria revista, do manifesto do economista Milton Friedman: “A responsabilidade social dos negócios é dar lucro”.
O manifesto justificou o comportamento de gerações de empresários e executivos e ajudou a agravar a desigualdade no mundo, ao colocar o retorno do acionista como único objetivo. Na reportagem de setembro passado, vários líderes globais empresariais, entre eles os CEOs da Blackrock e Salesforce, entenderam que o manifesto perdeu a relevância com a evolução da economia e da sociedade.
Bill Gates, da tribo dos libertários da tecnologia, acaba de publicar o seu novo livro, que propõe uma abordagem para combater o desafio climático. Nele, defende que o governo americano tem que quintuplicar o seu investimento na inovação em energia limpa para ter alguma chance de bater as suas metas ambientais. Em outra passagem, ele admite que é preciso uma política pública que incentive e crie mais mercado para inovação.
Na dimensão política, a nova administração nos Estados Unidos encarna esse novo paradigma. Em sua primeira semana no cargo, o presidente Joe Biden iniciou a agenda ambiental mais ambiciosa da história dos Estados Unidos, com um compromisso surpreendente de levar o país a zero emissão líquida de carbono até 2050.
O presidente também assinou diversos decretos que ajudam a acelerar a transformação energética nos país, entre eles, a liberação de terras federais para exploração de energia solar e eólica. Destacou ainda investimentos da transição energética no seu grande programa de suporte econômico, que está sendo votado.
No front do combate à desigualdade ele começou a reconstruir várias políticas desmontadas por Donald Trump. Além dessas medidas de política interna, Biden assinou a reintegração dos EUA no Acordo de Paris para marcar a volta dos EUA ao cenário mundial e do debate da sustentabilidade.
E nós, o Brasil, estamos aptos a participar desse debate? Deixando de lado paixões, aqui uma parcela dos líderes empresariais ainda se sente prisioneira do manifesto escrito por Friedman em setembro de 1970.
Esse ambiente é menos propício à evolução atualmente, em razão da postura da equipe econômica, que favorece um toque muito leve de regulamentação, quase uma agenda — datada — do tipo Friedman, que se traduz na ausência de políticas para fomentar a transformação da economia para bases mais sustentáveis.
Assim como a inovação, como pontuou Gates em seu livro, a sustentabilidade pode e deve ser impulsionada pela política pública adequada, como mostra o pacote de Biden. Infelizmente não é o que assistimos, e o nosso histórico da década passada também não é bom nesse capítulo.
Um documento do governo federal intitulado redução do custo Brasil, que está circulando, lista dezenas de programas em andamento. Li o material e não vi referência a projetos de incentivo aos novos paradigmas de desenvolvimento.
No entanto, encontrei um projeto que permite a exploração mineral em terras indígenas. Fui além e pesquisei eletronicamente o documento. Não foi possível encontrar, em nenhuma vez, as palavras “sustentabilidade”, “energia renovável” e “economia verde”.
O mesmo se vê com a PEC da Calamidade, que vai permitir o novo e necessário, dado o atraso da vacinação, pagamento do auxílio emergencial. Na PEC não existe nenhuma criação de mecanismos para acelerar investimentos na nova economia sustentável.
A falta destes, além de diferir do pacote americano, é dissonante para o que o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, preconiza uma entrevista recente no Jornal Valor: “Só vamos sair dessa com estímulos que apoiem as pessoas, mas também preparem uma criação de uma nova economia sustentável.”
Ao que parece, ainda não nos demos conta da transformação a caminho. Portanto, faz-se urgente que líderes empresariais e políticos atentem para o risco de sermos apenas espectadores na construção do novo contrato social, pois ele certamente está sendo amadurecido e foi acelerado pelo COVID.
*Paulo Dalla Nora Macedo é economista, empreendedor e ativista de políticas públicas.
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