Francelino Valença*
A origem da tributação, em certa medida, se confunde com o surgimento do Estado, visto que, sem a arrecadação de impostos seria impossível manter a estrutura necessária para a consecução dos objetivos almejados pelo mesmo, dentre os quais, a proteção foi, sem sombra de dúvida, um dos primeiros a ser buscado. A sobrevivência, desde os primórdios sempre foi uma imposição da própria existência.
Para Locke, o Estado é uma sociedade de homens com uma finalidade específica “para preservar e promover os bens civis. Chamo de bens civis a vida, a liberdade, a integridade do corpo e a ausência da dor, bem como a posse de coisas externas, como terras, dinheiro, bens domésticos e outros”. Ao renunciarmos a uma parte da nossa liberdade saímos do estado da natureza, criamos uma ficção jurídica com o objetivo de manter, preservar e impulsionar a existência dos diversos bens civis.
Para Hack, a principal fonte de recursos do Estado moderno são os tributos arrecadados para possibilitar a obtenção de uma quantidade significativa de recursos financeiros “para cumprir seus compromissos, como o pagamento da remuneração dos servidores públicos e dos fornecedores de bens e serviços e a realização de investimentos, como obras públicas e aquisição de equipamentos”
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Para muitos estudiosos, a própria existência do direito, nesse caso, refiro-me de forma ampla, não seria possível sem a tributação. “Como regra geral, os infelizes indivíduos que não estão sujeitos a um governo capaz de tributar e proporcionar um remédio eficaz não têm direitos jurídicos”. Os direitos de primeira geração, por exemplo, seriam impossíveis de existir. Não seria assegurado o direito de propriedade sem um aparato para garantir a sua perenidade. Não haveria registros públicos, sequer, para conferir veracidade ao título de propriedade ou posse, muito menos seria inconcebível qualquer estrutura coercitiva para punir aquele que se apropriasse indevidamente do bem alheio.
PublicidadePois bem, feitas a considerações acima sobre a importância da tributação para a sociedade, gostaríamos de alertar que a União, os estados e os municípios estão sofrendo um sério risco que deverá abalar a sua arrecadação resultando, entre outras coisas, em uma menor prestação de serviços para a sociedade, em especial, a população mais carente. Refiro-me aos dispositivos da PEC Emergencial que retira da Constituição Federal a possibilidade de vinculação de recursos para saúde, educação e para a administração tributária.
No caso da administração tributária, a vedação de vinculação, se aprovada, irá impactar negativamente as administrações tributárias de todos os entes de Federação ao retirar recursos, em geral proveniente das multas aplicadas, que oxigenam os diversos fundos responsáveis pela manutenção e aperfeiçoamento dos fiscos nas diversas esferas de governos.
Para termos ideia da dimensão do problema, em 2019 foi arrecadado em tributos federais o valor de R$ 1.6 trilhões, correspondendo a 22,24% do PIB. Em dezembro do mesmo ano, existiam 12.133.496 contribuintes de ICMS distribuídos por todo o território nacional. O referido imposto foi responsável por 84.56% da arrecadação tributária dos estados e do Distrito Federal, perfazendo o valor aproximado de 508 bilhões; enquanto o ISS foi de 68,16 bilhões.
Em que pesem as cifras acima, o trabalho da administração tributária vai bem além da função arrecadatória, poderíamos acrescentar o combate a concorrência desleal, a evasão fiscal, ao contrabando, ao descaminho, a apropriação indébita de tributos, bem como a comunicação de crimes contra a Ordem Tributária ao Ministério Público, além de diversas outras funções.
Ao retirar da Constituição, ou melhor, ao impedir expressamente a vinculação de receitas para realização de atividades da administração tributária a PEC emergencial não ferirá de morte apenas os fiscos, mas, em decorrência da diminuição de receitas tributárias, pondo em risco a própria sociedade com a redução de investimentos públicos e da disponibilidade de serviços essenciais.
*Francelino Valença é diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais da Fenafisco. Auditor Fiscal do Tesouro Estadual de Pernambuco e mestre em Direito.
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