Thiago Cardoso Henriques Botelho*
A atual pandemia que vivemos forçou as pessoas ao isolamento social. Afastados uns dos outros, nos reinventamos dentro de nossas casas e descobrimos que o acesso a internet é muito mais importante do que imaginávamos.
A previsão de grande incremento no uso das telecomunicações, em razão dos avanços tecnológicos que eram imaginados para indústria 4.0, com automação de fábricas e produção agrícola ou carros autônomos, foi instantaneamente substituído pela urgência do momento.
De um dia para o outro, deixamos o planejamento futuro em segundo plano e grande parte da população passou a trabalhar e estudar de forma remota; na sequência, o comércio precisou adotar o e-commerce com estratégia única e não mais complementar.
O impacto nas redes de telecomunicações foi grande. Prestadores de serviço precisaram adequar suas redes, e a essencialidade do serviço ficou ainda mais evidente. Por outro lado, as desigualdades do acesso à internet também foram expostas. Trabalhadores, pequenos empresários e grandes empresas que têm acesso a rede mundial de computadores se adaptaram; quem não tem, teve sua atividade laboral interrompida e sua renda zerada.
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Para acessar o programa de ajuda do Governo Federal era preciso fazer o cadastro eletrônico. De repente o Brasil descobriu que um em cada quatro brasileiros (28%) não tem acesso a internet. Logo depois, foi exposta a desigualdade na educação com o problema do Enem: a desigualdade de oportunidade tornaria ainda mais injusta a disputa por uma vaga na Universidade pública. Levantamento do jornal O Globo aponta que 6,6 milhões de estudantes não têm acesso à internet
PublicidadeTudo isso para questionar prioridades. É lugar comum nas conversas sobre telecomunicação e tecnologia que o Brasil precisa realizar o quanto antes o leilão de 5G. Será?
Evidente que o Brasil precisa estar pari passu com o mundo, no estado da arte da tecnologia. Assim como precisamos oportunizar todos os benefícios da revolução tecnológica. É bem verdade que o padrão tecnológico que o 5G introduzirá tem condição de gerar uma nova revolução industrial e pode alavancar o avanço do Brasil em várias posições no ranking de produtividade.
Mas o que é o 5G e o leilão do 5G? Quando falamos de tecnologia 5G, trata-se de uma evolução das redes de 4G. Mas não é uma evolução como a do 3G para o 4G. A tecnologia 5G tem uma capacidade de tráfego muito maior com uma latência (tempo de resposta muito menor). Ou seja, poderemos ter uma experiência instantânea, capaz de viabilizar procedimentos cirúrgicos à distância ou carros autônomos.
Quando falamos do leilão de 5G, trata-se da licitação do espectro de radiofrequência que a Anatel fará. Na folclórica frase do saudoso Ministro Sergio Motta, quando fez a primeira licitação da radiofrequência para celular: vender o ar.
O edital que está em consulta pública promete ser o maior da história do Brasil, mas tem diversas variáveis, como tamanho e quantidade de lotes para o incentivo à competição, obrigações de investimento e conflitos com outros serviços de telecomunicações, como a distribuição do sinal de TV aberta, que acaba sendo recepcionado pelas antenas parabólicas – a única forma que milhões de brasileiros têm acesso a TV aberta.
O objetivo aqui não é adentrar em questões técnicas, mas sim argumentar que ainda há diversos pontos para serem definidos e, portanto, existe ainda grande insegurança sobre as opções mais adequadas.
Assim, o mais prudente seria a Anatel aprimorar os estudos sobre o edital e, em paralelo, direcionar esforços imediatos do setor para a expansão dos serviços celulares existentes e não na implementação de uma nova rede (5G).
Os próprios estudos iniciais da Anatel para a elaboração do edital em comento apontam que em 12,8 mil localidades com menos de 600 habitantes, o que soma cerca de 3,26 milhões de pessoas, não têm acesso a rede celular.
Percebemos assim, que a expansão do serviço celular ainda é muito falha. Com carência de acesso tanto em relação a nível social quanto ao espaçamento geográfico. O que contribuiu para aumentar ainda mais a desigualdade social do Brasil.
Quem defende a realização imediata do leilão afirma que os investimentos que as prestadoras farão para implementar a rede 5G serão fundamentais para a retomada de investimentos pós-pandemia, além dos benefícios tecnológicos como exposto acima.
Existem outras tecnologias que permitirão a integração e automação da indústria nacional no curto prazo (estamos falando em um hiato de 2 anos). Por outro lado, não podemos esquecer que as prestadoras que precisariam aumentar a capilaridade da rede existente são, muito provavelmente, as mesmas que farão a implementação da rede 5G; portanto, há uma escolha de investimentos a serem priorizados.
Concluindo, o leilão de 5G é algo muito importante para ser tratado apenas como urgente. Temos assuntos mais urgentes como a expansão do serviço móvel para aqueles que ainda não têm acesso. O Brasil deve priorizar essa questão, enquanto faz uma avaliação mais profunda para realizar as melhores escolhas para o edital de licitação do 5G.
*Thiago Cardoso Henriques Botelho é mestre em Economia, especialista em Regulação de Serviços Públicos de Telecomunicações e atualmente está como Ouvidor da Anatel.