Heitor Scalambrini Costa*
Mais uma aberração, das muitas cometidas pelo (des)governo atual, está ocorrendo pela via legislativa com a Medida Provisória (MP) 998, já votada e aprovada na Câmara faltando apenas o aval do Senado, cuja previsão de votação é nesta quinta-feira (9).
Com ultrapassados e falsos argumentos usados para justificar esta MP, os velhos e conhecidos lobistas se mostram ávidos e interessados na privatização da Eletrobras e na expansão do setor nuclear no país, inclusive para uso militar.
As justificativas dos entreguistas e terraplanistas de plantão são diversas para esta MP, como: a do interesse público e da prioridade nacional (ops!), que vai conter os reajustes (?) nas tarifas (uma das maiores tormentas e angústia do povo brasileiro) pelos mecanismos propostos. Favorecerá a modernização do setor elétrico com a capitalização (privatização) da Eletrobras. E o necessário (?) apoio para a expansão nuclear no país retomando a construção de Angra 3, e de mais seis usinas no Complexo de Itacuruba/Pernambuco, conforme prega o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050.
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Agora, quando o assunto é energia nuclear nem tudo é dito claramente, explicitado para a sociedade. A informação é sonegada, manipulada para atender a interesses políticos, econômicos e militares. Propaganda falsa e enganosa sobre energia nuclear é utilizada com abundância como contra informação, para confundir e não para explicar.
Afirmativas peremptórias, citadas sem aderência na ciência, na realidade dos fatos, são utilizadas e propagandeadas pela mídia corporativa. Sem que o mesmo espaço seja dado aqueles que contestam tais decisões autoritárias, arbitrárias, contrárias ao interesse nacional e fora da lei.
Publicidade– Plena efervescência do setor nuclear mundial, com a construção de novas usinas;
– Energia nuclear é limpa não produz CO2;
– Custo da energia nuclear é compatível com outras fontes energéticas, contribuindo assim para a competitividade, resultando na modicidade tarifária;
– Risco de acidente nas usinas nucleares é nulo;
– A nucleoeletricidade é necessária para atender a demanda energética do país;
– Não existe problema, nem risco para o armazenamento dos resíduos produzidos pelo reator nuclear, inclusive para o mais terrível e venenoso, o plutônio, produzido artificialmente;
– Não existe interesse militar no desenvolvimento e na expansão do setor nuclear brasileiro.
Acima os falsos argumentos propagandeados e que justificaram o artigo nove da MP 998, que fala em “promover a valorização dos recursos energéticos de fonte nuclear do país, preservando o interesse nacional”. Determina a transferência ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a responsabilidade e competência sobre várias questões sensíveis e mesmo questionáveis juridicamente, inclusive a de permitir o rateio dos custos da energia nuclear entre os consumidores por meio de um “adicional tarifário específico”.
Fica claro que esta MP é fundamentalmente um conjunto de benefícios para o setor nuclear, principalmente para a retomada da usina Angra 3.
Todavia o que chama a atenção na MP é que a autorização para a exploração da usina termelétrica nuclear Angra 3 será fornecida pelo CNPE. Neste caso, existe uma violação da Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 21, inciso 23, afirma expressamente ser competência da União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”.
Passar a “boiada nuclear”, mesmo que desrespeitando a Constituição também pôde ser constatado recentemente com a constituição do Consórcio Santa Quitéria, entre a empresa privada Galvani Indústria Comércio e Serviços S.A (controlada pela mineradora norueguesa Yara) e as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), com a finalidade de implantação de um complexo mineiro industrial no Ceará, explorando urânio e fosfato.
Nada mais do que também uma tentativa de burlar a Constituição, de quebrar o monopólio estatal sobre a mineração do urânio. Segundo a Constituição, no artigo 177, inciso V, fica estabelecido que constitui monopólio da União “pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”.
Bem, pelo visto, decisões no mínimo polêmicas e que refletirão nas gerações atual e futura estão sendo tomadas, sem a necessária discussão ampla e esclarecimentos a sociedade, colocando em risco a vida das pessoas e do ecossistema.
Basta!!!
A cada dia contamos nossos mortos pela irresponsabilidade, omissão dos (des)governantes que além de negarem o real perigo e mortalidade da pandemia que se abateu em nosso país, e no planeta, aproveitam desta situação trágica para que seus interesses mais mesquinhos e perversos sejam atendidos.
Não precisamos da energia nuclear. Vamos impedir mais este atentado à vida em nosso país.
*Heitor Scalambrini Costa é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.
Esclarecimento
Com relação à informação de que a Yara seria a controladora da Galvani Indústria Comércio e Serviços S.A, publicada neste artigo: “MP 998: boiada nuclear”, de Heitor Scalambrini Costa no site Congresso em Foco, a Yara esclarece que não possui relação societária com a empresa desde 10 de julho de 2019, quando anunciou o término da joint venture Galvani.
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