*Paulo Dalla Nora Macedo
Tenho dedicado os últimos vinte e quatro meses ao estudo do fenômeno das fake news a fim de entendê-lo melhor. Meu foco tem sido decifrar quais são seus mecanismos e, especialmente, como combatê-las. Neste texto, focalizo os três pontos mais importantes do meu diagnóstico e três recomendações de ação. Minha dedicação a esta pesquisa se deve à minha crença de que as fake news interditam o debate democrático, pois sequestram e maquiam os temas e prioridades conforme os interesses de quem elas servem. No longo prazo, mantidas as condições atuais, é até possível que a racionalidade prevaleça. A questão é que ao não fazermos nada hoje, o longo prazo pode não ser mais o que seria porque as condições do debate e as decisões, vão se deteriorar.
O primeiro aprendizado é que a lógica das redes sociais, com a sua capacidade de disseminação de informação e os seus algoritmos, torna o fenômeno de fake news um problema de uma escala nunca experimentada antes por nós. O argumento de que sempre existiriam notícias falsas, como forma de minimizar essa realidade, não é racional justamente devido aos recursos da tecnologia moderna.
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Analogamente, sempre existiram empresas de venda por catálogo e nenhuma delas jamais se aproximou de uma ínfima parte do valor de mercado, importância e dominância da Amazon. Por quê? Porque a tecnologia de inteligência de dados tornou o negócio da Amazon exponencialmente mais poderoso. Temos o mesmo fenômeno com as fake news. Não dá para comparar o catálogo da Sears há cinquenta anos com a Amazon, nem as fake news de jornalecos impressos de outrora com a máquina digital de hoje. Quem defende a transformação que a tecnologia trouxe para a eficiência e escala dos negócios tem que reconhecer que ela também fez o mesmo para as fake news.
O segundo ponto é que não devemos debater se as publicações são fake ou não uma a uma, faz mais sentido observar o veículo que as publicaram. O que quero dizer com isso? Veículos que não têm um processo de checagem de informações, não são formalmente constituídos, não produzem material assinado por repórteres, para ficar em alguns exemplos, não poderiam distribuir material como se fossem empresas jornalistas.
Qual a importância dessa regra de classificação? Separar o que são os esquemas criados para gerar fake news de erros ou mesmo material mal feito de veículos legítimos. A Globo obviamente erra em várias matérias, mas não produz fake news, as quais não são meros erros, mas são produzidas por alguém que sabe que a informação é falsa, sem checar, sem assinar com um nome verdadeiro, e sem nem corrigir quando apontado o erro.
Pensemos na indústria farmacêutica: em várias ocasiões laboratórios regulamentados já produziram remédios que tiveram efeitos colaterais graves e não previstos, mas não fizeram isso de “propósito” nem pelo modelo de negócio, até porque os efeitos desses erros são ruins para eles financeiramente. Entretanto, há vários casos de laboratórios clandestinos que produzem todo tipo de fórmula maluca, sem nenhuma preocupação com efeitos colaterais, pois o modelo de negócios deles é exatamente vender ilusões sem preocupação com reputação nem regulamentação.
Por fim, e não menos importante, a constatação de que as plataformas lucram imensamente direta e indiretamente com a indústria de fake news, com a geração de tráfego dessas notícias e com os milhões de robôs do ecossistema de manipulação.
Esses aspectos, que considero os mais importantes, me levaram à seguinte conclusão fundamental: é inútil o debate de como “aprender” usar as redes sociais em “favor” do debate construtivo, são inúteis também as constatações, óbvias por sinal, de que as forças democráticas não aprenderam a usar esses mecanismos e que o debate tem de chamar atenção para os “temas que interessam a população”. Salvo um cenário de extrema depressão e perda de renda, como a que parecia que iríamos entrar antes do auxílio emergencial e onde a atenção para coisas práticas pode aumentar muito como de fato deu sinais, isso é inútil no formato de funcionamento das redes sociais hoje.
Não vai existir nenhum tema que ganhe a mesma atenção no debate que esses temas fabricados e manipulados por milícias digitais, pois estes últimos jogam com os impulsos reptilianos do cérebro, sem nenhuma preocupação com consequências ou responsabilidade. E também nenhuma força democrática consegue jogar esse jogo de forma legítima, isso equivale a ficar discursando que nenhuma força conseguiu apreender e usar as táticas do PCC para vencê-los. Não é por falta de conhecimento dos métodos deles que as forças policiais não os “vencem”, nem por falta de recursos, é pelas limitações legais que elas precisam ter, claramente, porque elas são cobradas para jogarem dentro dos limites institucionais.
Em menos de seis meses a polícia poderia “tomar” o lugar ou “vencer” o PCC, pois tem mais de um milhão de homens armados e treinados pelo Brasil, milhares de veículos e até dezenas de helicópteros. Se eles pudessem sair decapitando gente em praça pública sem limites, com ordens para matar todos os membros, filiados e suas famílias, queimar casas, tocar fogo em alas de presídios onde estão líderes, eu garanto que em seis meses a polícia seria o novo PCC. É isso que propõe os que dizem que os democratas precisam “aprender os mecanismos das redes”. Temos que pensar em outra forma de combate.
Feita essa análise dos mecanismos e da impossibilidade de combater nas mesmas regras do jogo atual, listo três sugestões de caminhos que precisam de mudança na legislação, por isso defendo que a luta deve ser feita dessa maneira, e não está em “apreender” o impossível de se fazer dentro dos limites institucionais. São essas as minhas sugestões:
Primeiro, é preciso que as plataformas tenham algum tipo de responsabilidade. As mais óbvias: robôs e perfis identificados como não pertencentes a pessoas e/ou empresas reais devem ser bloqueados. Para que uma empresa, instituição ou entidades públicas usem robôs, por exemplo, de atendimento ao público, elas devem se cadastrar em alguma base e informar o que o robô fará e quem é a entidade responsável. Robôs não cadastrados deveriam ser bloqueados.
A segunda sugestão é que notícias deveriam ter uma identificação visual fácil diferente, vamos imaginar aqui de “cor azul” só para argumentação. Por notícias refiro-me àquelas publicadas por órgãos que seguem os critérios discutidos no segundo item do diagnóstico. E apenas essas empresas poderiam ser direcionadas como empresas de imprensa para os anunciantes. Quem não tivesse essa certificação, não teria os seus “posts azuis” e não poderia entrar em lista de veículos de comunicação para receber tráfego de anúncios pagos, quem quiser anunciar assim mesmo teria que assumir que está anunciando em alguma coisa que não é considerado veículo de imprensa.
Assim como os algoritmos precisam identificar e rebaixar a prioridade de distribuição de material dessas entidades. E o ponto crucial: quem daria essa “certificação” para as empresas? Não pode ser a plataforma nem governos. Uma alternativa seria um comitê formado pelas associações de imprensa, academia e associação de advogados de cada país. Essa é apenas uma ideia do conceito. A base dele é que sem esse selo não vai ter nem post “azul” nem receber receita de tráfego de anúncios como veículo de comunicação. Usando novamente o exemplo da indústria farmacêutica, eles precisam de “selos” para vender os remédios.
O descumprimento de qualquer uma dessas obrigações legais gerariam multas e responsabilização jurídica para as pessoas, plataformas e empresas envolvidas. Se ficarmos paralisados na posição irredutível do virtuosismo da internet totalmente desregulada, corremos o risco dos que querem não apenas regular, mas controlar a internet e todo o processo do debate público, terem força para tal.
E, por fim, é fundamental que as plataformas abram os seus algoritmos de geração de tráfego para a validação da academia, algum consórcio de universidades mundiais reconhecidas, para garantir que eles não estão estimulando os discursos de ódio e as posições de extremismos. Assim como garantir que os perfis mapeados, que disseminam as notícias de veículos não certificados, sejam penalizados e não premiados pelos algoritmos. Também não tem nada de extraordinário nisso, os laboratórios farmacêuticos abrem as suas fórmulas de bilhões para terem as patentes e testes liberados. No longo prazo esse processo protege as próprias plataformas de não serem capturadas pelas próprias forças que hoje estão a estimular.
Na minha análise esses são os três pontos fundamentais, que requerem esforços de legislação nacional e algum acordo em órgãos multilaterais mundiais. É certo que algumas pessoas vão ver vários pontos negativos neles, e é fato que algumas injustiças serão cometidas nesse credenciamento, mas a minha lógica é a de evitar ao máximo o falso “negativo” positivo passar no exame médico, ou seja, melhor ter um erro e barrar algumas empresas de comunicação legítimas, e permitir recursos e ajustes, do que deixar milhares ilegítimas sem serem barradas e as fake news nos devorarem. Devoram inclusive os oportunistas que não sabem o tamanho da força com que estão lidando e resolvem servir os que a dominam.
Construir esse novo paradigma de regras passa do Poder Executivo e Congresso Americano, pois são as únicas forças hoje com poder de fogo para negociar com as plataformas e formar uma coalizão mundial. De onde concluímos que a esperança de alguma movimentação nesse sentido, nos próximos anos, está condicionada ao resultado da eleição americana de novembro. Essa sem hipérboles a mais importante da minha geração.
*Paulo Dalla Nora Macedo é empreendedor, Vice-presidente do Instituto Política Viva e Cofundador da Associação Poder do Voto.
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