Fabiano Contarato*
A corrupção não deu trégua durante a pandemia. Essa crise humanitária e sanitária evidenciou inúmeros desafios que o Brasil ainda enfrenta no combate a um mal que aumenta a pobreza e aprofunda as desigualdades. Sabemos também que os recentes retrocessos na luta anticorrupção terão severos impactos para a reputação do Brasil, desfazendo anos de conquistas e devolvendo ao país a pecha de leniente com o desvio de dinheiro público.
Dezenas de operações e investigações desencadeadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público revelaram ilícitos de toda ordem em vários estados, como superfaturamento, contratos fraudulentos em construções de hospitais de campanha, e irregularidades na compra de respiradores, material hospitalar, testes e até fraldas. A corrupção tirou dinheiro dos necessitados de tratamento de saúde, diminuiu a quantidade de respiradores disponíveis para os doentes, provocou instabilidade política.
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Como sempre, as falcatruas prejudicaram justamente os mais pobres, que dependem do poder público para acessar os serviços básicos, como saúde e educação, e ver garantidos seus direitos fundamentais. Por isso, propus em um projeto de lei tornar crime hediondo o desvio de recursos públicos destinados a efetivar direitos garantidos pela Constituição. Isso significa, por exemplo, que eventuais condenados por peculato cumprirão pena em regime fechado e não poderão se beneficiar, por exemplo, de indultos natalinos.
Dissuadir agentes públicos e privados de se engajar em esquemas não depende apenas de agravar a pena. É necessário tornar a punição efetiva, o que exige aprimorar os mecanismos de apuração para levar à Justiça corruptos e corruptores. Exige-se também, um Judiciário mais célere no julgamento de processos criminais.
Nestes últimos pontos, no entanto, o retrato recente do Brasil mostra retrocessos. A interferência política do Presidente da República em órgãos responsáveis por investigações, como a Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), não só os enfraquece, como cria uma nuvem de suspeita sobre a possível politização de operações policiais.
Igualmente preocupante é o enfraquecimento do Ministério Público, com a indicação, fora da lista tríplice, de um Procurador-Geral da República (PGR) que, ao que tudo indica, está em campanha aberta por uma vaga no Supremo Tribunal Federal e, para isso, nenhum custo (para a sociedade) parece alto demais. Sufocar as forças-tarefas de combate à corrupção é apenas a mais recente demonstração do descompromisso do PGR com um movimento que colocou o Brasil em destaque no mundo pela capacidade de suas instituições em combater ilicitudes, cooperar internacionalmente e levar políticos, dirigentes de estatais e empresários para a Justiça.
Difícil como possa ser o momento, é também oportunidade de virada em relação à percepção da população, que testemunhou direta e cruelmente como a corrupção mata. Não foram obras distantes e faraônicas que apareceram nos noticiários, mas sim, doentes sem leitos. O desafio ao qual a sociedade brasileira não pode se furtar é mobilizar esse sentimento de revolta em ação, para produzir as reformas das quais o Brasil necessita.
*Fabiano Contarato é senador pela Rede-ES.
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