Por Zulmir Ivânio Breda*
Importante marco regulatório da contabilidade pública brasileira, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) completou 20 anos de vigência no início do mês de maio. Esse fato nos leva a refletir sobre sua importância histórica durante essas duas décadas, desde aquele Brasil da virada do século, com sua luta contra o desarranjo das contas públicas, à atual flexibilização da aplicação da Lei, diante do quadro de grave crise econômica provocada pela pandemia de covid-19.
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A Lei foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, com a finalidade de substituir um prolongado desarranjo fiscal por um novo modelo de finanças públicas. Especialistas na área afirmam que, assim como a Lei nº 4.320/1964, a LRF representou um “ponto de inflexão” no desequilíbrio das finanças públicas no Brasil.
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Durante o ato de sanção da LRF, Fernando Henrique Cardoso disse que a nova Lei representava uma “mudança de mentalidade, de práticas e de valores” e que ela era “um sinal de novos tempos”. Mas, passados 20 anos do início da vigência da Lei, há quem diga que o Brasil ainda não conseguiu consolidar totalmente a importância da responsabilidade fiscal entre os gestores públicos.
Controvérsias à parte, o fato é que são vários e inegáveis os avanços trazidos pela LRF no sentido de disciplinar a gestão dos recursos e de limitar a ação dos gestores; de dar transparência à sociedade sobre os assuntos fiscais da administração pública, por meio da emissão de relatórios e da divulgação anual das contas; e de estimular o controle social do orçamento público em seus vários níveis.
PublicidadeA defesa dos cidadãos, inclusive, está na base do que poderíamos chamar de cultura da responsabilidade fiscal, que se caracteriza pela adoção de práticas, por parte da administração pública, que busquem a solidez, o equilíbrio e a sustentabilidade das contas públicas, com ações planejadas e transparentes e ampla publicidade dos atos ligados à arrecadação de receitas e à realização de despesas.
A LRF atribuiu novas funções à contabilidade pública, conferindo-lhe um caráter mais gerencial, com o controle orçamentário e financeiro. De modo geral, a contabilidade ganhou relevância com a LRF, e isso me faz lembrar das sábias palavras de um grande mestre, o saudoso professor Antônio Lopes de Sá, que disse certa vez: “Só não entende o valor da Contabilidade quem não possui cultura atualizada para compreender que é esta a ciência que pode ensejar modelos e comportamento da riqueza.”
Embora imperfeita – alguns artigos foram considerados inconstitucionais e outros, ignorados por gestores públicos – a LRF trouxe válvulas de escape que permitiriam a sua flexibilização, em situações de calamidade pública e com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo abaixo de 1%. Diante do colapso econômico provocado pela imprevisível pandemia de covid-19, essas válvulas foram acionadas e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Na situação atual, a flexibilização das regras impostas pela Lei, para a adoção de medidas urgentes de enfrentamento à calamidade na saúde pública, é uma atitude necessária e sensata.
Porém, no horizonte pós-pandemia, a responsabilidade fiscal será mais necessária do que nunca. A projeção da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – considerando a forte queda do PIB, aliada ao aumento inevitável, ainda que temporário, do déficit nas contas públicas brasileiras, que pode chegar a 9% do PIB em 2020 – é que o endividamento público ultrapasse 90% do PIB.
Em meio às sérias batalhas que estamos hoje enfrentando para combater a tragédia humana provocada pela pandemia de covid-19, proponho uma reflexão sobre uma fala do economista John Maynard Keynes, proferida em fevereiro de 1943, ao Parlamento britânico: “O futuro será o que escolhermos para fazê-lo. Se o abordamos com medo e timidez, teremos o que merecemos. Se marcharmos com confiança e vigor, os fatos responderão. Seria uma coisa monstruosa reservar toda nossa coragem e força de vontade para a Guerra e então, coroados com a vitória, abordarmos a Paz como um bando de derrotistas falidos.” (KEYNES, 1982, p. 260, tradução livre).
*Presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC)
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Sobre o Conselho Federal de Contabilidade (CFC)
O Conselho Federal de Contabilidade é uma Autarquia Especial Corporativa dotada de personalidade jurídica de direito público e tem, dentre outras finalidades, a responsabilidade de orientar, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão contábil, por intermédio dos Conselhos Regionais de Contabilidade, cada um em sua base jurisdicional, nos Estados e no Distrito Federal; decidir, em última instância, os recursos de penalidade imposta pelos Conselhos Regionais, além de regular acerca dos princípios contábeis, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada, bem como editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional.