*Daniel José e **Naira Sathiyo
Não é nenhuma novidade que o Estado brasileiro não trata a educação como prioridade. Apesar dos vultosos investimentos na área, e com a garantia de mais recursos por meio da aprovação do novo Fundeb já nos próximos anos, a qualidade do ensino e o aprendizado dos alunos pouco avançou na última década.
Somos um dos últimos colocados no exame internacional de aprendizagem Pisa, inclusive atrás de pares sulamericanos e de países em desenvolvimento. No âmbito interno, apenas nove em cada 100 alunos sai do ensino médio com aprendizado adequado em matemática, base para diversas profissões do mercado de trabalho. E isso é a média nacional, juntando escolas públicas e privadas. No Amazonas, que tem o pior índice, apenas 2 em cada 100 alunos da escola pública têm conhecimento adequado na matéria. Um desastre completo.
Para completar, ainda temos a evasão escolar, um problema crônico e histórico no Brasil. Segundo os dados do último Censo Escolar, a evasão escolar no ensino médio ultrapassou a taxa de 11%. Há alguns estados brasileiros em que menos da metade dos alunos completam o ensino médio, como é o caso do Pará. Em pesquisa realizada pelo Pnud, de um grupo de 100 países, o Brasil foi o 3º com a maior taxa de evasão escolar.
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Agora na pandemia, esse descaso com a educação ficou ainda mais evidente. Escondidos atrás de uma retórica de poucas evidências e de olho na eleição de novembro, prefeitos e alguns governadores defendem que as escolas permaneçam fechadas até o ano que vem. Argumentam que não há ambiente seguro para a volta às aulas presenciais. Será mesmo? Ou seria uma forma cômoda (e covarde) de não mexer em um vespeiro impopular às voltas da eleição no final do ano?
PublicidadeNo Brasil, cansamos de fazer política pública baseada em achismos, opiniões e ideologias ultrapassadas. A educação apenas reflete as péssimas decisões tomadas outrora, sem qualquer base em evidências e experiências internacionais que sabidamente trouxeram resultados efetivos para a educação. No caso da volta às aulas ao redor do mundo, temos uma enorme quantidade de dados que podem ser utilizados para tomarmos a melhor decisão nesse momento.
Em primeiro lugar, os países que voltaram as aulas não experimentaram novos surtos de infecção; pelo contrário, o contágio e os casos de óbitos relatados continuaram a cair. E olha que a reabertura na maioria dos países não demorou mais que dois meses, enquanto que as nossas escolas já estão fechadas há pelo menos seis meses (e contando).
Países como China, Dinamarca, França, Portugal, Uruguai e Japão estabeleceram protocolos de reabertura das escolas assim que a curva de infectados apresentou estabilidade ou redução. Exemplos particulares são da Dinamarca e do nosso vizinho Uruguai, que optaram por reabrir as escolas antes de comércios, shoppings e serviços gerais. Lembrando que o Uruguai está na frente do Brasil em todas as provas do Pisa: matemática, ciências e leitura.
Além disso, há um consenso se formando na comunidade científica: as crianças têm menos sintomas provocados pelo vírus do que os adultos: mais de 70% das crianças são assintomáticas. Só para se ter uma ideia: a mortalidade proporcional da gripe comum é 4,5 vezes maior do que a da covid-19 em crianças.
Mas há ainda o argumento do perigo da transmissão do vírus no ambiente escolar. Aos poucos, e com novas evidências chegando, essa preocupação vai se mostrando infundada. Estudos realizados na França, Suíça, Austrália e China mostraram que as crianças normalmente não são vetores de transmissão (normalmente contraem dos adultos) e, em casos de acompanhamento de crianças infectadas que tiveram contato com outras crianças e adultos, houve poucos casos secundários. Esses estudos são apresentados em recente artigo da revista Pediatrics.
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Mas e os surtos isolados que ocorreram em escolas na França, EUA e Israel? Os pesquisadores foram enfáticos neste ponto: muitas vezes são os adultos quem desrespeitam as regras de saúde e acabam passando para as crianças dentro do ambiente escolar. A transmissão criança-criança ou criança-adulto é rara. Além disso, todos os estudos indicam que a transmissão comunitária deve estar caindo na região da escola a ser reaberta. Casos como o do Texas (EUA) mostram que caso a pandemia esteja totalmente fora do controle, a escola reaberta apenas vai refletir esse descaso no controle da circulação do vírus.
Não há nenhuma dúvida, contudo, a respeito dos efeitos negativos de manter escolas por tanto tempo fechadas já no curto-prazo, como episódios de ansiedade, depressão e má nutrição das crianças. Contudo, o pior fica para depois. Há uma infinidade de estudos que mostram os efeitos de guerras, desastres naturais e pandemias no aprendizado e desenvolvimento socioemocional dos alunos. Mas não é só isso. O futuro dessas crianças e jovens é significativamente afetado.
Um estudo comparou indivíduos da Áustria e Alemanha com outros da Suíça e Suécia quando tinham apenas 10 anos, e que foram impactados pelo fechamento de escolas na Segunda Guerra Mundial. 40 anos depois, esses indivíduos austríacos e alemães ainda tinham salários menores, resultado da perda educacional sofrida no período da guerra. Furacão Katrina em 2005, incêndios florestais na Austrália em 2009, pandemia de Ebola em Serra Leoa em 2015: todos esses eventos levaram ao fechamento de escolas por período prolongado. Todos eles trouxeram resultados adversos duradouros para os alunos atingidos, seja na alfabetização, no atraso escolar ou ainda no aumento significativo no índice de evasão, fenômeno que já estamos enfrentando por aqui.
A suspensão das atividades escolares deve causar impactos na economia mundial que podem durar até o final do século e pode levar a uma perda ao longo deste período de, na média, 1,5% na economia global, segundo relatório recente da OCDE. São trilhões de dólares que serão perdidos nos próximos anos. Inclusive, pelo fato dos pais permanecerem em casa para cuidar das crianças, foi calculada uma perda de até 18% na renda familiar, considerando um fechamento das escolas de 12 semanas. Nessa simulação, as mulheres são 2,4 vezes mais afetadas do que os homens. Isso representa 30 anos de retrocesso quanto a participação das mulheres no mercado de trabalho: de março a julho deste ano, 7 milhões delas ficaram desempregadas no Brasil.
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Nós tivemos mais tempo do que outros países para retomar o ensino presencial. Já temos a experiência internacional mostrando o caminho que dá certo, os cuidados que devem ser levados em conta e os procedimentos para reabertura. Mas os sindicatos, supostos “defensores” da educação, estão impassíveis: “mantenham as escolas fechadas para o bem de todos”, dizem eles. Inclusive, impossibilitando a volta das particulares, para não aumentar a lacuna existente entre o ensino público e o particular. Como numa fábula socialista, a ideia é nivelar por baixo, ou seja, deixar todos os alunos com menos oportunidades de aprender.
A educação de qualidade e que gera igualdade de oportunidades nunca foi e jamais será prioridade para os “defensores” da educação que tem como meta manter as escolas fechadas em todo o Brasil. A ‘bala de prata’ agora é a vacina, e sequer sabemos ao certo quando e de onde ela virá.
A educação não pode mais esperar. Embora a maior parte do custo não seja visto agora, a conta virá e será bem alta.
*Daniel José, economista formado pelo Insper e mestre em Relações Internacionais por Yale. Hoje é deputado estadual pelo partido Novo em São Paulo
**Naira Sathiyo, advogada formada pela PUC-SP e pós-graduanda em Políticas Públicas pelo Insper. Hoje é ativista pela educação em São Paulo
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