*Zé Silva
O campo brasileiro, a roça, o meio rural, cada vez mais vem sentindo a sua transformação em um deserto de políticas públicas.
É um deserto colhido de um processo secular histórico, que foi criando cada vez mais um abismo nas diferenças da geografia humana no campo. O povo sofrido da roça fica por último em tudo, as políticas públicas são sempre primeiro para as cidades. A melhor escola é na cidade, asfalto é na cidade, energia elétrica foi primeiro para as cidades, internet para as cidades…. clube, lazer, esporte, unidades de saúde, nem se fala.
Hoje são 1,5 milhões de agricultores que colhem os frutos deste deserto, são os invisíveis para os governos, para o Estado brasileiro. Eles são os sem nada, sem atenção, sem apoio, por isso o valor bruto da sua produção rural por ano chega no máximo aos R$ 5 mil, segundo o censo 2017 do IBGE.
No semiárido brasileiro, incluindo o Vale do Jequitinhonha e o norte da minha querida Minas Gerais, a natureza puxa o vagão desta locomotiva que descarrila ladeira abaixo, já que lá a certeza é que se chover, chove pouco. Com isso a desigualdade regional e entre as pessoas aflora ainda mais.
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A Educação libertadora no Sertão também vive uma agonia. E não estou falando aqui da educação formal, porque esta já escapou o boi com a corda. Nem Escola há no meio rural.
PublicidadeO Brasil fez opção por um modelo de desenvolvimento equivocado. Achou que para desenvolver e ser feliz, toda população tinha que mudar para cidade. O resultado é o caos urbano.
Estou falando da educação não formal, onde as salas de aulas são as lavouras, os bairros ou comunidades rurais. A educação que constrói novos saberes a partir dos conhecimentos transmitidos de geração para geração somados com as ciências agrárias, alicerce que sermos um gigante na produção agropecuária. Esta educação é a ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural.
São 4,1 milhões de agricultores familiares em todo o país. Destes, apenas 20% recebem este serviço, tão essencial como saúde e segurança. E estes que recebem a ATER aumentaram em quatro vezes o valor bruto da sua produção por hectare/ano em relação às famílias que não recebem, segundo dados do IBGE.
Um passo importante foi a criação da Anater – Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, a esperança de novos tempos, mas falta decisão política, já que voltamos ao ano 2000, quando o governo federal tinha um orçamento de R$ 55 milhões para apoiar os Estados, em 2015 chegou-se a R$ 607 milhões, neste ano apenas R$ 51 milhões tem o Ministério da Agricultura, enquanto que os Estados garantem mais de R$ 2 bilhões para manter este serviço em mais de 5.300 municípios do Brasil e a garantia que o Extensionista rural leve a presença do Estado aos grotões deste país continente.
A Reforma Agrária, o paradoxo é imenso, são mais de 700 mil famílias, que antes eram “sem terra”, hoje são “com terra”, mas sem máquinas e tratores agrícolas para produzir, sem água até para consumo humano, sem estradas para escoar a produção, sem assistência técnica rural, sem energia elétrica, sem infraestrutura de saúde, lazer e principalmente sem documento da terra. E quem não tem documento da terra, além de invisível, é igual cidadão sem identidade e CPF.
As portas que seriam, e as vezes até já foram portão de entrada para políticas públicas, nos últimos anos se transformaram em corredor de concentração dos recursos, como é o caso dos financiamentos do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, em 2015 a DAP – Declaração de Aptidão – foi a porta de entrada para 5,1 milhões de agricultores familiares acessar os 28,9 bilhões anunciados no plano safra, em 2019 apenas 2,54 milhões de agricultores tinham a DAP, mas para acessar R$ 31 bilhões, reduziu em 50 % o número de agricultores para um volume de recursos maior 7%.
As consequências de tudo isso são um campo sem gente e, os que resistem, vivem neste deserto de políticas públicas.
Por isso, a Câmara dos Deputados e Senado aprovaram um conjunto de Medidas Estratégicas para a Agricultura Familiar. Agora é a vez do Poder Executivo não faltar com sua função neste momento e sancioná-las.
Em seguida, cabe ao Congresso Nacional ajudar o executivo a construir medidas estruturantes, tais como: credito rural inclusivo, com assistência técnica e extensão rural pública, gratuita e de qualidade, acesso à terra com o programa nacional de crédito fundiário fortalecido, política de fomento para mulheres rurais, robusta política de sucessão no campo para que a juventude não tenha que continuar migrando para as cidades.
*Zé Silva é engenheiro agrônomo e deputado federal pelo Solidariedade de Minas Gerais.
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