Jaci estava indignada com os fatos que testemunhara na noite anterior. Ela que iluminava com esperança os sonhos da humanidade, agora presenciava cenas despertas em estrondosa ausência de empatia e barulhento desrespeito à vida. Ela reproduzia o desalento de seu povo e da irmandade brasileira que estavam sendo vítimas de uma pandemia incontrolada e que ceifava indistintamente milhares vidas.
– Axé, Jaci! – cumprimentou Oxalá, aproximando-se da tristonha amiga. – O mesmo pesadelo de sempre?
– Quisera fosse pesadelo, Oxalá! – respondeu Jaci. – Jurupari quando nos visita em pesadelo atormenta o corpo adormecido, mas vai embora quando Guaracy lança os primeiros raios do dia. O terror que as pessoas estão praticando se faz acordado. E não acaba quando o dia nasce.
> Apresentação das Parábolas de Emanuel, Jaci e Oxalá
– Você está falando daquela turma que passa a noite aglomerada em bares e festas clandestinas, não é? – perguntou Oxalá. – Eles realmente simbolizam o terror acordado. Estão assassinando suas próprias famílias, matando os amigos e espalhando a Covid em vários lugares.
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– Essa turminha mesmo! Um bando de karoaras, como diria a irmandade suruí – concordou Jaci. – Confesso que às vezes penso em acordar Anhangá e pedir que leve todos eles para o submundo em que reina.
– Caso decida, avise com antecedência – brincou Oxalá, arrancando um sorriso cúmplice em Jaci. – Assim peço a Exu para ajudar a Anhangá, para que eles levem para o baixo astral esses kiumbas espalhadores de doenças. E se colocarmos os negacionistas no mesmo balaio, pedimos também a ajuda de Emanuel, até porque muitos se aglomeram em nome de Deus.
– Estão falando de mim? – falou Emanuel, ingressando na sala em que estavam seus amigos. – Qual é o assunto?
– Lá vem o onipresente! – gargalhou Oxalá. – É só falar nele e ele logo aparece.
– Onisciente também – entrou na brincadeira Jaci. – Claro que ele sabe que estamos falando dessa turma que despreza a vida, inclusive os que dizem falar em nosso nome e usam os templos para explorar a fé e negar o papel da vacina na busca da cura.
– Eles sabem que meu Pai proibiu o uso do templo para o comércio – falou, seriamente, Emanuel. – Mateus já escreveu em 21:12 que “A minha casa será chamada casa de oração”. Marcos também deixou bem claro em 11:15 que o templo não é mercado. Da mesma forma que Lucas fez em 19:46 e João em 2:28.
– O nosso povo também não fala com Tupã através do templos, por isso compreendo quando disse uma vez que todo ser humano carrega o templo em seu próprio coração – concordou Jaci. – E olhe que nunca esqueci quando você, sabiamente, não caiu na provocação de alguns maliciosos e disse a eles: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é Deus.”
– Para a alegria de todo mundo que carrega o nome de Cesar – gargalhou, zombeteiro, Oxalá. – Devem achar que são donos de todas as coisas do mundo.
– Donos do mundo são aqueles que trazem a empatia no coração – suspirou
Emanuel. – “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia”. A eles devemos dirigir nossa proteção.
– Estou muito impressionada como estão ajudando, mesmo correndo o risco de morrerem pelo vírus ou pelo ódio negacionista – concordou Jaci. – Os profissionais da saúde são seres dignos de serem chamados de pajés.
– Omulú tem cuidado deles e também aquelas divindades que trabalham nos transportes públicos, nas farmácias, nos supermercados, nos restaurantes, nos servidos de entrega de alimentos e os que combatem as novas endemias – emendou Oxalá. – Elas cuidam para que as outras pessoas fiquem em casa, mesmo quando algumas destas, ingratas, não defendam que sejam incluídas nos grupos de risco.
– O meu povo bem sabe o que é ingratidão, Oxalá – retomou, triste, Jaci. – Muitos ricos ainda acham que os pobres, os negros e os índios sãos mercadorias baratas e substituíveis. Você lembra quando Tupã nos disse que já presenciou vários governantes organizando os mais diversos tipos de genocídios contra nós? Eu ainda choro quando lembro daquele desfile militar durante a ditadura brasileira, quando soldados carregavam vários de nossos irmãos presos e carregados em paus-de-arara, como se fossem animais selvagens.
– O mesmo ritual criminoso que ainda é estimulado em discursos oficiais e delegacias – acresceu Oxalá.
– Ontem meu Pai conversou com Buda sobre os nossos irmãos indianos, pois também está muito preocupado como as mortes de lá – interrompeu Emanuel. – E escutou Buda dizer que “Não permita que o outro tire a sua paz. A paz vem de dentro de você mesmo. Não procure à sua volta”.
– É isso mesmo! Buda tem razão! – ressaltou Jaci. – Devemos fortalecer o coração de quem tem empatia pelas pessoas. Não deixar que elas desistam de lutar. Independentemente daquelas pessoas que nutrem o ódio ou desprezo pela humanidade, o poder da empatia tem força suficiente para provocar curas e mudanças importantes.
– Aprendi com Omulú a mesma coisa – concordou Oxalá.
– Então não deixemos o ódio vencer! Vamos juntar nossas mãos em oração e rezarmos para que a empatia não abandone a humanidade – finalizou Emanuel. – Quer iniciar a oração Oxalá?
– Com muito gosto, Emanuel – agradeceu Oxalá.