Nesta semana, a Câmara dos Deputados pode votar a Medida Provisória nº 952, de 15 de abril de 2020 (MP 952/20). A MP precisa ser votada até o dia 12 de agosto, caso contrário perderá validade.
A MP 952/2020, dispõe sobre a prorrogação do prazo para pagamento de tributos incidentes sobre a prestação de serviços de telecomunicações. Sim, mais uma vez vou tratar de tributos. O Assunto é árido, mas são muitos os tributos e o impacto sobre o setor, com efeitos na sociedade brasileira é enorme.
Em resumo, a Medida Provisória posterga o pagamento de 31 de março para 31 de agosto de 2020, de três tributos federais devidos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, em razão da pandemia de covid-19.
Os serviços de telecomunicações (e internet) são considerados serviços de natureza essencial durante o período de crise do coronavírus (Decreto nº 10.282/2020).
Por outro lado, a mesma crise traz um cenário de maior incerteza e grande complexidade para o desempenho das atividades econômicas.
Portanto, considerando a necessidade de manutenção da prestação dos serviços de telecomunicações e eventual dificuldade de pagamento da população, adiar o pagamento dos encargos setoriais foi uma medida muito acertada.
Para termos ideia do volume financeiro tratado, o Governo Federal estima que a medida possibilitou a manutenção de cerca de R$ 3,3 bilhões no caixa das empresas durante o primeiro semestre de 2020.
Apesar da simplicidade da proposta do Executivo Federal, o Congresso brasileiro aproveitou para inaugurar outra discussão durante o debate da MP 952/2020. Nas diversas emendas apresentadas, foram feitas diversas propostas desde os prazos apontados na MP até assuntos totalmente diversos do exposto na proposição.
Ao fim, o relator propõe algumas modificações e, com toda certeza, a mais relevante é a proposta de criação do Plano Emergencial de Conexão Solidária.
A iniciativa surge no contexto do debate sobre uma contrapartida das prestadoras, em razão do adiamento do pagamento dos tributos federais. Assim, no texto do relator ,“nada mais justo que as prestadoras beneficiadas façam sua parte na mitigação dos danos causados pela pandemia, contribuindo de alguma forma com o bem-estar social.”
No parecer apresentado, explica-se que a medida compensatória proposta será a adesão voluntária das prestadoras, que deverão oferecer um auxílio mensal de R$ 20, por um período de três meses, a seus assinantes que sejam beneficiários do Programa Bolsa Família. O benefício poderá ser utilizado exclusivamente como crédito em pacotes de telefonia móvel ofertados comercialmente, evitando que sejam gastos com poucos minutos de ligação telefônica. Dos R$ 20 de bônus, R$ 15 serão convertidos em créditos tributários a serem deduzidos das contribuições devidos pela prestadora.
Em resumo, as prestadoras se comprometem a oferecer um bônus mensal a seus assinantes cadastrados na base do Bolsa Família, sendo que esse bônus será custeado majoritariamente pela União (3/4), e parcialmente pelas próprias prestadoras (1/4).
Em que pese ser louvável a iniciativa para tentar entregar um benefício à população mais carente, com a devida vênia, a proposta não parece adequada.
Apesar da argumentação inicial que as prestadoras deveriam contribuir com medidas para mitigar os efeitos da pandemia, verificamos que 75% do benefício será custeado pela União, na forma de crédito tributário.
Considerando o contexto da pandemia, com todas as dificuldades logísticas e operacionais, a grande contribuição que as empresas de telecomunicações oferecem à sociedade é justamente continuar a prestação adequada dos seus serviços.
Foram necessários diversos ajustes nas operações das empresas para que as redes de telecomunicações fossem adaptadas a nova realidade da demanda apresentada. E isso vale para todas as empresas, de telefonia celular e banda larga.
Esse é outro ponto inadequado, o plano emergencial de conexão solidária alcançaria apenas as empresas de telefonia celular. Além disso, apenas os cidadãos cadastrados no Bolsa Família.
São quase 50 milhões de brasileiros que receberam o auxílio emergencial do Governo Federal, que é uma quantidade muito maior que a base de beneficiários do Bolsa Família, algo em torno de 14 milhões de famílias. Assim, o benefício seria dado a um grupo muito pequeno, frente as necessidades impostas pela tragédia do coronavírus.
Além disso, é de se esperar que as pessoas cadastradas no bolsa família utilizem planos pré-pagos de celular, que geralmente têm minutos mais caros e não são os mais adequados para acessar a internet. Em muitos casos, aplicativos mais utilizados para comunicação já são oferecidos de forma gratuita.
Portanto, o benefício que se pretende oferecer pode não ser dos mais úteis. Acredito, então que as proposições feitas pelo relator não devam prosperar.
A preocupação em como fomentar o uso dos serviços de telecomunicações é importante, mas o principal desafio e o que deveria ser o objetivo primeiro das políticas públicas do setor é a expansão das redes de telecomunicações.
Nesta toada, a forma como a discussão foi colocada, no trâmite de uma medida provisória, torna-se inadequada, pois pode congestionar o debate e levar a medida provisória a perder sua eficácia. Esse será um péssimo cenário, pois trará enorme insegurança jurídica sobre o recolhimento dos tributos que foram postergados.
O debate sobre o uso dos fundos de telecomunicações na expansão do serviço deve ser retomado o mais rápido possível. Existem diversos projetos que tratam do assunto, um dos mais completos é o Projeto de Lei nº 172/2020, que após aprovado na Câmara dos Deputados, agora tramita no Senado Federal.
O assunto é complexo e, como dito, deve privilegiar a expansão dos serviços e incremento à competição e não estar focado em aumentar o uso de determinado grupo. Vamos tratar do assunto em um próximo artigo.
Agora, é importante que o Congresso Nacional aprove a MP 952/2020, para que não seja criada uma enorme insegurança jurídica sobre o recolhimento dos encargos setoriais. O estímulo à expansão dos serviços de telecomunicações, inclusive o uso dos fundos setoriais deve ser feito com um planejamento mais elaborado.