Infelizmente, nada de espantoso neste projeto de república democrática chamado Brasil
Vivemos tempos sombrios no nosso país e hoje não foi diferente. Amanhecemos com mais uma demonstração de desrespeito à Constituição cometida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Não é de hoje que faço alerta aos riscos de inúmeros termos abordados na PEC 32/2020, que trata da Reforma Administrativa. No dia 25 de março deste ano, publiquei o artigo “A renúncia ao bom senso”, que tratava justamente da falta de critérios na escolha dos cargos de confiança do governo, das estatais e os famosos comissionados. Agora, Bolsonaro (sem partido) resolveu dar a ele mesmo superpoderes, com total autonomia na gestão de cargos em comissão e de funções de confiança no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, criando atribuições para ele, que não estão previstas pela Constituição.
Leia também
Aprovar projetos na Câmara e no Senado custa muito caro. Custa destinação de recursos por emendas, custa colocar gente em cargos para atender interesses de quem vota a favor. E quem paga essa conta é você.
No caso dos recursos, o presidente está entre a cruz e a espada, tendo que aprovar o orçamento até dia 22 de abril, com altos riscos de perder apoio a depender do veto às emendas propostas por parlamentares que, por sua vez, estão cobrando suas faturas para se manterem na base do governo. Vale ressaltar que só o aumento dos gastos com parlamentares está em R$25,5 bilhões no orçamento apresentado.
Se vetar, perde o apoio. Se aprovar o orçamento como está, pode ser enquadrado na Lei da Responsabilidade Fiscal e sofrer até impeachment.
PublicidadeAgora, o governo edita a MP 1042. Além de ferir o artigo 84 da Constituição – que já era o que a Reforma Administrativa pretendia fazer -, na prática, não apresenta projeto, não apresenta dados do impacto, não cria as justificativas necessárias para a alteração e ainda, passa um trator em cima de um processo em andamento na Câmara, cria lacunas e novas regras para contratação de comissionados.
Meticulosamente, a Medida Provisória faz um destaque buscando dar uma legalidade que não existe, acionando o Art. 84, Inciso VI, Item 4 do texto, o qual diz que compete privativamente ao presidente da República, dispor, diante de decreto, sobre “organização e administração federal, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”. Baseado em qual estudo de impacto essa MP foi publicada? Qual o impacto dessa alteração de gestão, reenquadramento e políticas de cargos?
Essas mudanças poderiam acontecer já com a Reforma Administrativa. A grande diferença entre as duas formas seriam os processos a serem cumpridos; no caso de uma proposta de emenda à Constituição, como discussões entre as comissões, apresentações de recursos, textos substitutivos, solicitações de informações adicionais e estudos complementares, por exemplo.
O mais importante neste momento é nos atentarmos sobre os reais motivos e as consequências da aplicação da MP 1042. Não podemos aceitar que um país como o nosso passe a ser governado por MPs, que ferem a Constituição Federal e a nossa democracia, passando por cima de um projeto de emenda constitucional que está tramitando com amplo debate entre as mais diferentes frentes do Congresso Nacional.
Seria algo tão improvável que essa medida fosse apenas uma antecipação para troca de cargos, tendo em vista que o orçamento não poderá ser aprovado sem cortar emendas parlamentares e o presidente não pode perder apoio com uma enxurrada de pedidos de impeachment? Vamos ver!
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.