A disputa presidencial começou de vez. Na verdade, desde que Jair Bolsonaro, ainda no início de seu governo, se colocou como candidato à reeleição em 2022. Dentre os inúmeros atores já conhecidos e com passagens por cargos políticos (e pela polícia), chama a atenção os movimentos de alguns outsiders que, embora não tenham se manifestado expressamente sobre a possibilidade de disputarem a presidência, realizam manobras nesse sentido.
Luciano Huck, oriundo do show business, ganhou visibilidade nacional a bordo do “Caldeirão” e não esconde suas pretensões políticas, avaliando que a popularidade conquistada em shows dominicais lhe credencie ao Planalto. Já a dona da Magalu, Luiza Trajano, ícone do business propriamente dito, vem empreendendo uma inciativa batizada de “Unidos pela Vacina”, com a missão de apoiar ações visando imunizar toda a população até setembro deste ano, o que pode eventualmente se constituir em plataforma para o seu lançamento na política.
Contudo, e tendo em vista a relevância que esses dois empreendedores ganharam em nível nacional, faço aqui algumas ponderações sobre a oportunidade que podem perder de ficarem em seus respectivos nichos de atuação. Não porque a “política deve ser reservada a políticos”, mas, muito mais pelo fato de que nenhum dos dois revelou até agora qualquer sinal de atitude que os diferenciem dos demais em relação ao principal problema estrutural de que padece o país.
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Então, se é para trocar seis por meia dúzia, por favor, fiquem exatamente onde estão. Preservem a sua biografia.
Direto ao ponto! Será que Luciano Huck e Luiza Trajano:
- sabedores de que o Brasil tem a 2º pior distribuição de renda do mundo, e estando acomodados na fração que corresponde a 0,001% da camada mais rica, têm propostas estruturais para corrigir essa distorção?
- defenderão o deslocamento da maior parte da carga tributária do consumo para a renda e patrimônio, de modo a serem – eles próprios – mais fortemente taxados do que os pobres?
- defenderão a tributação de lucros e dividendos? Mesmo percebendo rendimentos majoritariamente nessa modalidade? Mesmo que cada um, ao receber milhões de reais por mês, atualmente pague menos Imposto de Renda Pessoa Física do que um gerente de qualquer uma de suas empresas?
- defenderão faixas de isenção mais altas na tabela do I.R.? E alíquotas mais elevadas para os super ricos?
- defenderão a eliminação de programas de benefícios fiscais que isentam e/ou reduzem fortemente a tributação de grandes conglomerados empresariais (do qual são beneficiários)?
- têm noção da sobrecarga que o nosso sistema tributário impõe aos pobres, aliviando a taxação sobre os super ricos? Sabem que mulheres negras são ainda mais afetadas pela distribuição injusta do modelo? Por exemplo, sabem que a tributação sobre absorventes íntimos (item essencial e de uso exclusivo de mulheres) equivale àquela que incide sobre itens considerados supérfluos?
Luciano Huck e Luiza Trajano habitam o andar de cima do “condomínio” chamado Brasil. Nesse nível, são beneficiados com a cobrança de uma “taxa condominial” muito menor do que a que recai sobre os ombros dos milhões de brasileiros que sustentam tudo o que vemos pela frente, com o pagamento de pesados tributos, os mais variados.
PublicidadeSe não têm noção do que estamos falando acima, ou se, tendo, não apresentam propostas para tornar a tributação e distribuição de renda no país um sistema justo e digno para os milhões de seres humanos que não podem lutar por justiça, não se deem ao trabalho de postular qualquer tipo de cargo político.
*Juracy Soares é auditor fiscal, professor e diretor executivo da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Ceará (Auditece).
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