O tabuleiro político sofreu seu primeiro abalo após as eleições. Para quem passou muito tempo no canto do ringue, poder dar um grito e bater sua panela é um alívio libertador. Mas fica uma pergunta: quem vai colher nos erros de Bolsonaro?
>Bolsonaro está isolado e pode sofrer impeachment, diz o aliado Major Olimpio
A classe média é movida pelo medo. Foi o medo de encontrar a diarista na poltrona ao lado no avião que forjou o ódio ao PT. O medo de morrer fez a classe média ficar contra o Capitão.
Para a classe média, morrer de gripe é coisa de pobre. Ao subestimar o pânico dos que “morrem só de pensar” que poderão ser cremados juntos com os pobres, o presidente cometeu seu maior erro até aqui.
A pesquisa Atlas realizada entre os dias 16 e 18 de março aponta que 44.8% dos brasileiros são a favor do impeachment, enquanto 45,2% são contra. Sua avaliação de ótimo e bom recuou para 26%. Os que consideram seu governo ruim ou péssimo somam 41%.
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O erro de Bolsonaro ressuscitou três personagens do campo conservador. Doria aproveitou a brecha e foi para a ofensiva. Witzel, encurralado pela situação financeira dramática do Rio, provou que na política a política ainda conta.
A noiva esquecida também parece ter tirado novamente o seu vestido do armário. Mourão voltou a ser desejado por parte da elite como uma espécie de “Bolsonaro com recall”, um homem capaz de dar estabilidade ao mesmo projeto.
Do outro lado do espectro político, Lula parece ter vestido a farda de Stalin nas proximidades de Varsóvia.
Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, o líder soviético resolveu cruzar os braços quando estourou a revolta dos nacionalistas poloneses – anticomunistas que contavam com seu apoio – contra os alemães. Esperou o resultado da batalha para depois lutar e derrotar o exército alemão já desgastado.
A Globo espera que Lula lidere uma campanha pelo impeachment. O silêncio é revelador da posição do ex-presidente. Ciro também percebeu a jogada do andar de cima e rejeitou a “saída Mourão”.
É muito cedo para prever como cada ator sairá da crise. Qual será o tamanho da tragédia humanitária? Qual será a dimensão do buraco na economia?
O governo tem instrumentos para reagir. O fim da meta fiscal com a aprovação do estado de calamidade abre a possibilidade de medidas heterodoxas. Destinar 200 reais durante três meses para 15 milhões de pessoas surtirá algum efeito?
Como a oposição progressista pretende canalizar a insatisfação para o seu campo? Não existe hoje uma Frente Ampla contra Bolsonaro. Vigora no sistema político o “salve-se quem puder”. Pontos de consenso são eventuais, pontuais, episódicos.
Ciro rompeu com Lula que não quer papo com o centro liberal. Ninguém aceita ser liderado por ninguém, uma fragmentação autofágica que favorece o jogo de Jair.
Vai surgir algo novo? É sempre uma possibilidade, mas por enquanto está no campo das vontades. Se a eleição fosse hoje, o mais provável ainda seria uma repetição da disputa entre a extrema-direita e o PT. Para onde iria essa classe média “revoltada”?
O Capitão é produto de uma crise. O caos é seu ambiente natural. Suas ambições totalitárias nunca estiveram tão afloradas. Quem hoje deseja realmente derrubá-lo?
Subestimá-lo pode ser um grave erro.